Empresa diz que já tem sistema estruturado e que investe em novos processos
Pelo menos duas empresas de tecnologia ofereceram à Vale sistemas mais modernos de monitoramento de barragens, que a mineradora recusou.
Uma delas, uma startup carioca apresentou em pelo menos três reuniões com diferentes diretorias da mineradora, entre 2016 e 2018, uma tecnologia de detecção em tempo real de pequenos sinais de ruptura em barragens.
Devido aos acordos de confidencialidade das negociações, as identidades das empresas de tecnologia foram preservadas na reportagem.
A proposta da startup do Rio complementaria as inspeções quinzenais em campo, principal método usado hoje pela mineradora. A tecnologia combina satélites, drones e sensores para monitorar barragens por imagem, com emissão de alertas em tempo real.
Segundo um documento do Instituto de Tecnologia da Califórnia sobre barragens, “a configuração de alta resolução do radar pode ser usada para detectar mudanças de pequena escala antes de elas serem visíveis a olho nu”.
Ainda segundo o documento, o sistema Nisar usa sensores de micro-ondas capazes de perceber alterações abaixo do nível da superfície. Com repetição de medições ao longo do ano, o sistema constrói um conjunto de linhas de observações que mostram mudanças atípicas nos arredores das estruturas de barragens, identificando rapidamente pequenas mudanças locais.
O diagnóstico constante permite o direcionamento imediato de recursos de manutenção e também a reavaliação após abalos ou ameaças.
A tecnologia também permite a predição de falhas e simulação de áreas afetadas, o que levaria à evacuação da área antes que as comunidades fossem afetadas. A proposta da startup incluiu emissão de alertas via SMS (mensagem de texto por celular) e email em tempo real.
A Folha teve acesso a emails trocados entre as empresas.
Em 15 de setembro de 2016, o representante da startup conseguiu uma reunião com pessoas ligadas às áreas de tecnologia da informação da Vale e da Samarco, na sede da fundação Renova, por intermédio do então conselheiro da fundação, Wilson Brumer.
Ele estaria preocupado com o monitoramento das barragens e teria sido um dos intermediários das negociações.
À Folha, Brumer se limitou a informar, por meio de sua secretária, que não pertence mais ao conselho da Renova.
Em 20 de dezembro de 2017, o empreendedor realizou outra reunião, dessa vez com a Diretoria de Ferrosos Norte da Vale, que também não prosseguiu com as negociações.
Já em 2018, a tecnologia voltou a ser oferecida na sede da Vale no Rio de Janeiro, no setor de suprimentos de plataforma de automação.
O empreendedor chegou a ajustar a proposta e enviá-la novamente após conversa com um gerente da área, mas não obteve mais retornos.
Ele também foi encaminhado para reunião com a diretoria-executiva e com a presidência da Vale, mas as reuniões foram adiadas duas vezes e, finalmente, canceladas.
Segundo avaliação da geóloga e mestre em sensoriamento remoto, Carolina Athayde, que não está envolvida com a startup, nem com a Vale, “a correlação do satélite com drones na proposta da startup é interessante porque o satélite só passa sobre a mesma região pelo menos a cada seis dias, então poderia não pegar mudanças abruptas”, avalia.
“Ainda não se sabe o que culminou nessa ruptura da barragem em Brumadinho. Caso tenha sido uma movimentação lenta na estrutura, o radar poderia ter detectado”, diz.
“A cobertura é fantástica, abrange até 100km, então pega todo o ambiente da mineração. Com esse sistema, você monitora desde a barragem de rejeito até pilha, cava. Isso complementa o monitoramento no campo”, explica.
Athayde conta ter participado da primeira aplicação da técnica Nisar no Brasil, em 2015 junto ao Inpe, de uma mina da Vale em Carajás (PA).
Segundo ela, a barreira ainda é orçamentária, porque as imagens, quando compradas das agências espaciais, são caras. “Mas o mercado está começando a ver a potencialidade, uma vez que aumentamos a segurança”.
Por causa de uma parceria com a Nasa e em busca de reconhecimento no ramo da mineração, a startup carioca ofereceu seus serviços a preço de custo. Ela é uma das duas organizações brasileiras aceitas no programa New York Space Alliance, que permite a transferência de tecnologias da Nasa sem cobrança de patentes.
Segundo o empreendedor, a oferta de monitoramento em tempo real foi feita pelo valor de R$ 100 mil por barragem, a serem pagos uma única vez.
Outra empresa de tecnologia, sediada em Belo Horizonte, também confirmou à reportagem ter oferecido tecnologias de monitoramento à Vale, que não teria demonstrado interesse. Um funcionário da área comercial da empresa disse à Folha ter feito uma reunião com a mineradora, mas a conversa não evoluiu.
Questionada sobre as ofertas, a Vale respondeu que a mineradora já possui um sistema estruturado de gestão de barragens e que investe continuamente na melhoria de seus processos, buscando sempre as melhores técnicas operacionais e tecnologias para assegurar a estabilidade de suas estruturas.
A empresa também diz que todas as barragens são monitoradas a cada quinze dias e que algumas estruturas contam com monitoramento por vídeo.
Fonte: Folha SP