A resistência da população a utilizar os meios digitais de pagamento, justificado pelo temor contra fraudes, em breve exporá os clientes bancários a riscos maiores
Não é novidade que o dinheiro tende a se extinguir. No Brasil, ainda é tendência crescente o uso do dinheiro de plástico (como cartões de débito e crédito), mas em muitos países as ações são no sentido de extinguir qualquer meio físico de pagamento, até mesmo os cartões. Alguns países europeus preveem o fim do dinheiro corrente em duas décadas. Japão e Coreia do Sul lideram pesquisas de tecnologias e aplicativos que dispensam processos de pagamento que envolvam senhas e informações de segurança.
Mesmo no Brasil, já lidamos com naturalidade com situações em que o dinheiro não passa de mão em mão. Aplicativos de cartão de crédito, por exemplo, fornecem números de cartão de uso único a cada compra, para evitar fraudes. Algumas lojas já reconhecem seu cliente pelo aplicativo que possuem no celular, e compras são feitas sem a necessidade de passar pelo caixa. Ao usar o Uber, saímos do veículo sem nenhuma interação de pagamento com o motorista, sem questionamento do valor da corrida. O banco concede crédito a seus clientes, e esses clientes concedem um crédito de confiança ao prestador de serviço. Se for constatada uma cobrança indevida, esse prestador pode ser banido do sistema.
A comunidade financeira internacional já desenvolve um sistema de pagamentos global baseado em moedas como o bitcoin, de valor universal, que não só eliminará a intermediação de recursos (enfraquecendo os bancos), como também extinguirá operações de câmbio (reduzindo os papéis dos bancos centrais). Estamos nos aproximando de uma época em que recursos universais serão criados a partir do valor de nosso trabalho e serão usados para transacionar mercadorias de serviços em qualquer lugar do mundo. Músicos, por exemplo, venderão suas criações diretamente a seus fãs e consumidores do mundo todo, sem que o dinheiro passe por bancos, gravadoras, distribuidoras e afins.
Esses processos acontecerão aos poucos, saberemos nos adaptar a eles. Entretanto, devemos estar atentos aos riscos de provocarmos um atraso intencional que pode aumentar a desigualdade entre os países mais desenvolvidos e o decadente Brasil. Pressões de sindicatos e lobbies contra inovações denunciam nossa resistência ao desenvolvimento. A educação financeira (enfim) presente nas escolas brasileiras ainda se baseia em ferramentas tendentes ao desuso, como cofrinhos e cédulas e moedas.
A resistência da população a utilizar os meios digitais de pagamento, justificado pelo temor contra fraudes, em breve exporá os clientes bancários a riscos maiores. Fazer pagamentos em agências e portar dinheiro e cartões são práticas de risco crescente, pois, quanto mais o sistema financeiro investe em tecnologias para aumentar a segurança dos meios digitais, menos atenção e investimento são direcionados aos modelos arcaicos. Em algum momento, a percepção de risco se inverterá. Estamos preparados?
Fonte: Época Negócios