Com a urgência das mudanças climáticas, fomentar uma economia de baixo carbono tornou-se não só uma opção para as companhias mais ligadas aos valores ambientais, mas uma necessidade para a sobrevivência financeira dos negócios no futuro.
O cenário levou governos e empresas do mundo todo a se engajarem na pauta. Na avaliação de especialistas, no entanto, a transição para a economia verde terá de ser conduzida por uma liderança diversa, que apresente habilidades até então desprezadas pela velha economia (termo que se refere ao modelo que visa o lucro como o único foco). Isso inclui colaboração, preocupação e empatia, características muitas vezes ligadas ao perfil feminino.
“O ESG valoriza iniciativas e características que as mulheres trazem de forma mais natural”, defende a fundadora do Elas no ESG, Letícia Sugai. “As mulheres têm uma capacidade incrível de simplificar a visão complexa de problemas. Quando falamos de economia de baixo carbono e uma visão de impacto positivo para o mundo, precisamos de pessoas e lideranças que conseguem enxergar (a agenda) com uma perspicácia muito maior do que uma visão tradicional. E esse é o ponto principal”, explica Patrícia Lima, CEO da marca de beleza Simple Organic.
Além desses pontos, há o ganho financeiro. O aumento de produtividade nas companhias está ligado à inclusão de perfis mais diversos. Um levantamento do Instituto Identidades do Brasil (IDBR) aponta que, para cada 10% de aumento na diversidade de gênero, há um salto de 5% na produtividade.
Para a CEO da consultoria AWA Growth, Carla Hoffman, essa mudança deixou de ser uma tendência para se tornar cada vez mais uma necessidade de movimentações efetivas para “mudar o jogo”.
“Se as companhias continuarem a ser lideradas da mesma forma, sem a adição de novas habilidades e visões, uma economia de baixo carbono não se tornará uma realidade tão cedo”, aponta a porta-voz da AWA, companhia responsável pelo crescimento sustentável de empresas que já nasceram com valores e propósito espelhados na nova economia.
Além disso a presidente do ID_BR, Luana Génot, destaca que as mulheres foram historicamente aculturadas a pensar no cuidado para além da casa e isso pode ser um ganho neste novo modelo. A executiva destaca o papel das mulheres tanto em relação à família e à comunidade quanto em relação ao planeta.
“Pensar nesse cuidado como uma característica realmente feminina, seja por uma questão instintiva ou por uma questão que nos foi aculturada, é importante para poder pensar e conectar isso com a mudança.”
Hubs com foco em mulheres
Todo esse cenário de transformação social, que permitiu a entrada de mulheres em espaços antes dominados por homens, e a ascensão da agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) têm fomentado discussões, inclusive no mercado corporativo, de como características femininas podem impulsionar a nova economia. O número de hubs com foco na inclusão de mulheres na pauta verde e criação de espaços de discussão exclusivamente femininos em um primeiro momento tem crescido.
É o caso do próprio AWA, que, com o Movimento Nova Economia, oferece encontros e fóruns visando a troca de experiências de mulheres de indústrias como as alimentares, da construção civil e da moda. Outro exemplo é o Elas no ESG que também tem como foco envolver mais as mulheres na discussão com protagonismo e destaque, desde networking específico, desenvolvimento de cursos e ações.
Ela destaca que o hub também surge como um lugar de voz ativa para as mulheres, considerando que, nos espaços executivos, isso ainda não é uma realidade. “Ainda não temos tantos espaços seguros no mundo corporativo. A mulher tem muito esse papel específico, de lutar contra uma natureza de si mesma às vezes para ter de se provar.”
“As mulheres tendem a colaborar mais, enquanto o mundo corporativo foi moldado em competitividade. Com as necessidades ambientais que temos, as empresas precisam de colaboração e um equilíbrio maior para permitir que perfis diferentes tenham voz”, explica Letícia Sugai.
A líder da Deloitte Brasil para clima e sustentabilidade, Maria Emília Peres, concorda que as mulheres têm habilidades específicas muitas vezes desenvolvidas em decorrência da maternidade, durante a própria forma de criação e em face das pressões sociais. Mas ela destaca que é preciso tomar cuidado para não generalizar essas habilidades, criando novos paradigmas.
“No início, as mulheres começaram a entrar nas empresas para que pudesse ser dito que tinha uma mulher no local. Começaram a ver o impacto das decisões, e esse para mim é um dos pontos que tem de ter um enfoque.” Ela destaca que é preciso separar. “Mãe somos em casa, ali eu sou uma profissional que entrega resultados. Não é só porque fica um ambiente acolhedor, é porque ela tem habilidades específicas e é boa no que faz.”
Como chegar a um equilíbrio?
“A liderança ESG hoje, na prática, é feminina. As mulheres estão comandando a agenda porque ela não é considerada estratégica ou porque temos as skills (habilidades) necessárias? Será que, quando uma transição, de fato, acontecer, vamos continuar repetindo o modelo antigo dominado por homens? A liderança feminina em indústrias, outros setores historicamente masculinizados, continua rara”, explica
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A executiva afirma que novas empresas que estão surgindo com foco em impacto social e reutilização de recursos naturais precisam de mais características femininas não só pelo próprio core (negócio principal) destas companhias, mas também para complementar as já existentes. “O olhar de implementação de diversidade precisa ser de todas as pessoas. Todos têm lugar de fala nesta pauta”, afirma Génot.
Além disso, Patrícia destaca que as pautas sociais e ambientais estão intrinsecamente ligadas. “A gente precisa de igualdade para que possamos chegar a uma visão muito mais equilibrada da nossa sociedade”, aponta. Ela destaca que essa jornada está ligada não só com o momento vivido, mas também com as discussões futuras para não perpetuar os mesmos problemas.
Para a criadora do Movimento Nova Economia com foco em mulheres, embora a pauta esteja em voga nos fóruns e discussões realizados por executivos, muitos deles não têm percebido que, de fato, o modelo econômico terá de mudar.
“Vejo que alguns empresários não entendem que muitas das tecnologias e matérias-primas são mais baratas não só pelo material poluente, mas por não carregar uma cadeia toda com ela. Tudo é comprado pronto. Um modelo sustentável depende de muitas mãos, de uma cooperação, de fato. O desafio do mercado financeiro é enxergar valor e entender como os parâmetros de empresas sustentáveis vão caber nas empresas”.
A executiva argumenta que o atual parâmetro financeiro funciona com a previsão de retorno do investimento. Nessa nova lógica, no entanto, os empreendimentos não teriam necessariamente uma previsibilidade tão clara. “Eles não seguem o mesmo parâmetro do mercado de capitais que estava acostumado a investir em unicórnios e ter um retorno rápido. E isso é um ponto a ser pensado”.
Fonte: Estadão