Crescendo na Normandia, no norte da França, Yanis Souami se encantou com o oceano. Uma de suas primeiras lembranças é “ir ao mar, fazer snorkel e admirar os peixes e a vida selvagem”, dise.
Hoje, o agora empreendedor de 42 anos comanda a Sinay, uma startup francesa que utiliza inteligência artificial (IA) para analisar dados oceânicos —sobre movimentos de navios, padrões climáticos e poluição do ar e da água— para ajudar o setor marítimo a otimizar suas operações e reduzir seu impacto ambiental.
Um de seus serviços permite aos usuários monitorar tanto o ruído subaquático, de fontes como navios ou bate-estacas, quanto a presença de vida marinha que possa ser afetada negativamente por ele.
“Há muito impacto dos negócios humanos na biodiversidade oceânica”, diz Souami. “Podemos combinar a conservação da biodiversidade com a eficiência dos negócios usando as melhores informações disponíveis, em parte graças à IA.”
Ele destaca que preservar os oceanos do mundo —que produzem cerca de metade do oxigênio da Terra— é uma parte crucial da luta contra a mudança climática.
A Sinay faz parte de uma variedade de startups europeias que estão utilizando IA e aprendizado de máquina (machine learning) para ajudar as empresas a lidar com a mudança climática e minimizar a contribuição para o fenômeno.
Aplicações como monitoramento de emissões, gestão de reciclagem e manutenção preditiva de infraestrutura estão atraindo interesse significativo de grandes empresas —e de investidores.
Na semana passada, por exemplo, a startup dinamarquesa Electricity Maps, que rastreia a intensidade de carbono do uso de eletricidade corporativa e tem Google e Samsung entre seus clientes, fechou uma rodada de financiamento de 5 milhões de euros.
Electricity Maps, Sinay e seus pares estão se beneficiando de um aumento mais amplo no financiamento para a chamada tecnologia climática.
De acordo com a plataforma de dados Dealroom, as startups europeias de tecnologia climática —em subsetores tão diversos como mobilidade elétrica, fissão nuclear e proteínas alternativas— arrecadaram US$ 20,2 bilhões no ano passado, um pouco abaixo do recorde de US$ 20,4 bilhões alcançado em 2022.
No total, elas representaram 43% do investimento global de capital de risco em tecnologia climática, acima dos 29% em 2022.
Quando se trata de IA, Lynn Kaack, que lidera o AI and Climate Technology Policy Group da Hertie School de Berlim, uma universidade de pós-graduação em governança, diz que vale a pena se especializar.
“A IA não é uma bala de prata contra a mudança climática”, disse. “Startups bem-sucedidas estão usando aprendizado de máquina como um elemento em aplicações bastante técnicas, como prever a evolução das nuvens para operar melhor uma rede elétrica com altas parcelas de energia solar fotovoltaica.”
Uma dessas empresas é a startup holandesa Overstory, cuja tecnologia analisa imagens de satélite e outros dados de sensoriamento remoto para identificar quando a vegetação está se aproximando das linhas de energia. A informação permite às empresas de serviços públicos cortar a vegetação invasora antes que cause quedas de energia ou incêndios florestais.
Quando foi fundada, em 2018, o objetivo da Overstory era usar aprendizado de máquina para detectar desmatamento. Mas, após dois anos, decidiu focar em atender empresas de serviços públicos, que já elas gastavam muito com monitoramento de vegetação.
“Damos a eles uma visão em toda a rede dos riscos causados pela vegetação”, diz a CEO Fiona Spruill. “As empresas nunca tiveram essa tecnologia. Tinham que ter alguém percorrendo as linhas e entendendo os riscos.”
As imagens de satélite, ao contrário, permitem a eles “identificar os riscos mais rapidamente e, esperançosamente, de forma mais econômica”, diz Spruill —acrescentando que esses riscos estão aumentando porque “as empresas de serviços públicos estão enfrentando eventos climáticos mais extremos”.
Spruill observa, no entanto, que a IA depende de seus dados de treinamento para ser bem-sucedida. A empresa conta com especialistas para ajudar a rotular imagens, com visitas a locais específicos ainda sendo necessárias às vezes.
“Fomos impulsionados pela IA desde o início, então não estamos seguindo a moda”, diz Spruill. “Temos seis anos de experiência, mas identificar a espécie de uma única árvore é difícil.”
Souami, da Sinay, tem um argumento semelhante. Treinar modelos de IA para reconhecer a vida marinha, como golfinhos, tartarugas e aves marinhas, diz ele, requer dados “low-tech”.
“Você precisa ter especialistas em reconhecimento de espécies marcando-os fisicamente e depois treinando a máquina. Isso é low-tech.”
Às vezes, também, Souami acrescenta, analisar informações históricas é mais valioso para seus clientes do que, por exemplo, previsões de padrões climáticos com IA. “Precisamos nos concentrar onde fornecemos valor e depois escolher a melhor ferramenta para fornecer isso”, disse.
Outros empreendedores de IA são igualmente modestos sobre a tecnologia. Alex Marti, CEO da Mitiga, uma startup espanhola que usa computação de alto desempenho para avaliar o risco de desastres naturais, adverte que os sistemas de IA podem incorporar vieses encontrados nos dados em que são treinados.
“É muito importante ter transparência sobre como esses modelos são construídos”, disse. “Se a informação não estiver lá, você não pode usar a IA para inventá-la.”
Embora algumas preocupações sobre a IA sejam exageradas —como “se você deixá-la solta, então ela se transforma em Exterminadores”— o perigo real é exagerar, argumenta Marti.
“A IA vai te ajudar, mas tem limitações”, disse
Alguns pesquisadores, no entanto, acreditam que a IA tem desvantagens ambientais significativas —incluindo o alto consumo de energia e água por data centers, e o potencial de acelerar a propagação de desinformação climática.
Kaack, da Hertie School, diz que avaliar a tecnologia requer uma perspectiva ampla. “É importante não apenas olhar para os impactos das aplicações de IA no clima”, disse.
“Em vez disso, precisamos olhar para todos os lugares onde a IA está sendo aplicada e perguntar: de que maneira essa aplicação está reduzindo ou aumentando as emissões?. É uma ferramenta multipropósito e também pode ser aplicada para prejudicar o clima.”
Fonte: Folha de São Paulo