Para uma ideia das resistências a serem enfrentadas pelo teto para as despesas federais, basta apontar que a regra força deputados e senadores a fazer o que nunca fizeram: um Orçamento.
Ou seja, definir a alocação de recursos finitos, cujo montante total não poderá ser alterado –com escolha de prioridades e, igualmente, de áreas a serem sacrificadas.
Até aqui, a prática tem sido estabelecer compromissos permanentes de gastos setoriais: 15% da receita total para a saúde, 18% da arrecadação dos impostos para a educação, políticas de valorização do salário mínimo.
A cada ano, quando chega a hora de votar a lei orçamentária, o Congresso simplesmente acrescenta despesas de seu interesse ao projeto elaborado pelo Executivo.
Pela proposta apresentada pelo governo Michel Temer, o processo muda: não haverá mais como inflar o Orçamento com o truque de recalcular as receitas para cima. Para elevar um gasto proposto, será preciso reduzir outro. A bancada da saúde, por exemplo, poderá defender mais verbas para o SUS; terá de se entender, porém, com as bancadas da educação, do setor rural, do sindicalismo. Alguém terá de perder.
Trata-se de um cenário inédito na arena política nacional desde a volta da democracia –no período, o costume foi acomodar demandas e conflitos com a expansão contínua da despesa.
Além das áreas sociais, Legislativo e Judiciário também terão de entrar na fila. Os dois Poderes, também sujeitos ao teto, perdem autonomia para contratações de pessoal e reajustes salariais.
Do lado do Executivo, a nova orientação força gestores a buscarem mais eficiência nos programas –algo não muito necessário quando há um aumento de recursos garantido todos os anos. Também nesse caso, muda-se uma prática de décadas.
Na atual conjuntura de vacas magras, é mais fácil impor o teto proposto pelo presidente interino: afinal, as receitas estão encolhendo. Difícil será resistir ao apetite de políticos, lobistas e militantes quando a economia estiver mais favorável.
Há ainda outra grande incógnita –a reforma da Previdência. Sem alteração das normas para a concessão de benefícios e o reajuste do salário mínimo, os gastos com aposentadorias e pensões continuarão crescendo acima da inflação, devido ao envelhecimento dos brasileiros.
Nesse cenário, o cumprimento do limite para a despesa total exigirá achatar cada vez mais outras áreas, como defesa, segurança e infraestrutura, ampliando as distorções do Orçamento. Fonte: Folha Online