A classe trabalhadora viveu, a partir da Revolução Industrial, um século de lutas, um de conquistas — do chamado Estado do bem-estar social — e o terceiro século, do Estado do mal-estar.
A mais importante moda hoje é imputar ao Estado do bem-estar social as causas reais das crises provocadas pelo capitalismo irresponsável.
Nesse sentido, como escreveu o grande juslaboralista Nestor de Buen, foram escolhidas duas vítimas propícias: a seguridade social e o Direito do Trabalho. Na Grã-Bretanha, Margareth Thatcher e, em seguida, seu sócio americano, Ronald Reagan, lideraram a feroz campanha contra o Estado do Bem-Estar, apoiados na agressões acadêmicas da escola de Chicago de Nilton Friedman, que dizia que “o conjunto de medidas conhecidas sob a capciosa denominação de seguridade social tem efeitos tão nefastos sobre a economia de um país como a política de salários mínimos, assistência médica para determinados grupos, habitações populares, preços agrícolas subvencionados etc.” (…) “na concepção neoliberal, o bem-estar social pertence ao âmbito privado, ou seja, deve ser gerado pelo esforço individual e resolvido em família ou no mercado” (BUEN, Nestor de. O Estado do mal-estar. Revista LTr. São Paulo, ano 62, n. 5, 1998).
Não esqueçamos de que o Brasil sequer alcançou o bem-estar social. Suas elites empresariais agressivas instituíram ao longo da história um modelo desenvolvimentista voltado para as classes altas, com concentração de rendas x baixos salários.
Hoje a moda aqui pelo Brasil é fazer prevalecer o negociado sobre o legislado como forma de resolver os problemas da economia. Mas, fazer isso num país que ainda não implementou a verdadeira liberdade sindical, com poucos sindicatos fortes e independentes e, pior ainda, em momento de crise, parece um pouco precipitado.
Vivemos num país em que o desrespeito constante a direitos humanos mínimos e elementares do cidadão trabalhador é realidade vivida todo dia, como o trabalho infanto-juvenil, discriminações as mais diversas nas relações de trabalho, trabalho escravo encontrado em vários Estados brasileiros, demissões em massa sem sequer pagar o empregador as verbas rescisórias e, ainda, colocando os trabalhadores contra os sindicatos, para obrigá-los a fazerem a homologação negativa, sem o pagamento de qualquer verba, somente para o trabalhador sacar o FGTS, se existente alguma coisa na sua conta.
Os mais fortes, organizados e atuantes sindicatos não estão resistindo a essa grave situação e, agora, apresenta-se como salvação da crise o negociado sobre o legislado.
Negociado sobre legislado, parece-me, teria sentido num sistema e num país em que se respeitasse, pelo menos, o direito de greve, que é o mais importante instrumento de que podem se valer os trabalhadores nas negociações coletivas. Mas, o que se vê todo dia são os interditos com pesadas multas e proibição de manifestação e o afastamento dos trabalhadores a 500/1000 metros da porta da empresa. Semana passada vi o seguinte caso: os trabalhadores decidiram fazer greve simplesmente para obterem a correção salarial na data-base, pela inflação oficial, porque desde maio não foram atendidos. A empresa, com essa informação, pediu e o Tribunal deu uma liminar de 70% em atividade e R$ 5 mil de multa por cada trabalhador (eram uns 400), pelo seu descumprimento. Quem vai fazer greve em tais condições? Qual é o equilíbrio de uma negociação dessas, para prevalecer sobre o legislado?
Mais uma vez, com razão Nestor de Buen, quando diz que “sejam quais forem as razões, a política social entrou em decadência e sobre ela recaem as imputações das mil culpas dos infortúnios das economias mundiais. Quando, em rigor, não se trata senão da cadeia de fracassos do imperialismo financeiro”.
O panorama não é animador! Por isso, ao invés de enfraquecê-lo, como é o discurso da moda hoje, é preciso, ao contrário, tornar o direito laboral mais forte, para fazer frente aos avanços ilimitados dos interesses do capital, que sabe muito bem manejá-los nos piores momentos para a classe trabalhadora, sufocando-a até as últimas consequências.
Por isso, cumpre a nós, juristas, não perdermos de vista o papel que nos cabe, para não colocarmos o nosso peso do lado errado e não se deixar levar por discursos equivocados e oportunistas.
Reforma trabalhista, sim, é necessária e, não esqueçamos que a CLT já sofreu reforma em mais de 85% dos seus artigos. É só dar uma olhada no seu texto do Planalto. Adaptação e modernização das normas trabalhistas aos tempos atuais é necessária, mas sem perder de vista os irreparáveis prejuízos de reformas irresponsáveis, que só levam em conta aspectos econômicos em detrimento dos sociais e humanos. É preciso, pois, que se faça valer os princípios constitucionais fundamentais que asseguram o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, não importando do lado que se esteja.
* Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador