As médias anuais de temperaturas máximas no Brasil devem subir acima da média global e os valores médios de precipitação sofrerão mais alterações nos próximos anos. Caso a trajetória de emissões de gases de efeito estufa, e por consequência o aquecimento global, continue em ascendência, essas mudanças serão ainda mais intensificadas. Além dessas alterações, haverá mudanças nas características das estações chuvosas, e aumento na frequência e intensidade de eventos extremos ao longo do século 21. As projeções climáticas constam das análises de Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação (IVA) da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), documento cuja elaboração é coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
“Observa-se que o aquecimento regional é maior do que a média global estimada e os modelos utilizados nos estudos indicam que o aquecimento regional pode chegar até quatro graus [acima da média global]”, explica Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e responsável pelas projeções climáticas da Quarta Comunicação Nacional. Isso quer dizer que, em geral, as projeções indicam que regionalmente as temperaturas médias ficarão maiores que a média global.
O documento, submetido pelo governo brasileiro em dezembro de 2020 à UNFCCC, apresenta as projeções climáticas mais recentes produzidas para o país e consideram as simulações derivadas do modelo regional Eta e do modelo global HadGEM3-A (Projeto Helix), e têm como base os cenários de nível de aquecimento médio global de 1,5 oC, 2 oC e 4 oC.
O aquecimento médio global representa a mudança média da temperatura do ar sobre os continentes e oceanos. Na escala regional e local, o aquecimento pode perpassar os níveis globais, podendo-se observar também mudanças mais severas em demais aspectos climáticos, o que inclui alterações de precipitação, eventos extremos, nível do mar etc. É necessário considerar que as condições climáticas em determinado momento e local são resultado de complexas interações entre as diversas componentes do sistema físico-climático, incluindo o uso do solo, desmatamento, urbanização, entre outras.
O pesquisador aponta que devido a essa diferenciação, entre global e regional, em algumas áreas do país já são observados aumentos de temperatura superiores ao 1,5 oC. Alves explica que não se pode tratar o número de quatro graus de modo determinístico, ou seja, há variáveis e incertezas associadas que precisam ser analisadas, como a trajetória emissões de gases de efeito estufa. Além disso, não é possível aplicar uma relação linear entre o aumento regional e global. Mas o pesquisador enfatiza que todos os modelos climáticos utilizados corroboram com as alterações que já são observadas no território brasileiro. “Quando se analisa as projeções, a referência é o clima atual. Não há nenhuma discordância entre as projeções dos modelos climáticos e as tendências climáticas observadas nas últimas décadas”, afirma.
Isso quer dizer que se em determinada região está chovendo menos ou mais, ou ainda ocorrendo eventos extremos com maior frequência e intensidade, a tendência é que essa situação se agrave. “A perspectiva observacional evidencia que não estamos falando de futuro, mas do presente. O clima está mudando”, reitera. Para ilustrar esses aspectos, o documento apresenta exemplos de impactos climáticos observados em diferentes segmentos nas últimas décadas organizados em cronologia temporal.
Chuvas intensas e extremos de seca – Na linguagem técnica, as projeções indicam mudança nos acumulados de precipitação e na sua distribuição ao longo do ano. Em outras palavras, quer dizer que a mudança do clima afeta o padrão de chuvas ao qual cada região está acostumada, alterando as características das estações chuvosas, e na frequência e intensidade de eventos extremos. Os modelos apontam diminuição na precipitação média nas regiões Nordeste, Norte e na parte central do Brasil. Para o Sul, a perspectiva é de aumento das chuvas.
Por outro lado, a falta de chuvas aponta para o aumento de extremos de seca em especial para as regiões Nordeste e Norte, e conforme o cenário de aquecimento global, sobre as regiões Centro-Oeste e Sudeste, principalmente no verão, época de maiores acumulados de precipitação para essas duas regiões.
As projeções indicam também aumento significativo dos extremos de precipitação em grande parte do território, com maior concordância dos modelos para as regiões Sul e Sudeste, e em outras regiões conforme o cenário, como o noroeste da Amazônia.
A consequência de tantas alterações são impactos no cotidiano da população, seja desde a busca por conforto térmico que vai demandar mais consumo de energia até a produção de alimentos, que pode ser seriamente afetada. “Os impactos decorrentes da mudança do clima são transversais, impacto na saúde, meios de subsistência, como a segurança alimentar, o abastecimento de água, a segurança humana, e o crescimento econômico. Estão todos conectados”, contextualiza Alves.
Setores que são vulneráveis à mudança do clima ou que já sentiram impactos causados por eventos nos últimos anos, como excesso ou escassez de chuvas ou ainda ondas de calor, devem ficar atentos. “Diversos setores da sociedade estão sentindo os impactos e percebendo os riscos, seja do ponto de vista econômico ou social. De fato, os setores precisam ter um olhar mais delicado sobre os aspectos de mitigação e de adaptação”, alerta Alves sobre a tendência de que, mesmo em um cenário otimista, no qual haja redução forte de emissões de gases de efeito estufa, eventos extremos se intensifiquem.
Acesse aqui o documento da Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima e conheça em detalhes as tendências observadas para o clima no Brasil no Capítulo 3, que aborda Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação à Mudança do Clima no Brasil.
Consulte aqui o artigo científico publicado pela Revista Sustentabilidade em Debate que aborda a mudança das chuvas e temperaturas no Brasil de acordo com cenários de aquecimento global.
Fonte: FNE