Um grupo de pesquisadores da Unicamp, em conjunto com outras universidades, ONGs e empresas, está envolvido na construção de um Portal Brasileiro de Indicadores de Eficiência Energética (PBIEE). O endereço tornará disponível, para toda a sociedade, seja consumidor, concessionárias de energia, indústria e/ou governo, informações sobre os meios eficazes e projetos mais aderentes que estão sendo implantados, finalizados ou em andamento no Brasil sobre Eficiência Energética (EE).
A ideia do portal é reunir, em um só lugar, informações sobre programas e projetos de EE, como PROCEL, os programas mandatórios das distribuidoras regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), etiquetagem e outros, para acompanhar os progressos na área de eficiência energética no país. O objetivo é produzir indicadores e análises de eficiência energética a partir de uma base de dados, de forma que o Portal se torne uma referência nacional no tema, uma vez que ainda não existe nada similar que permita monitorar os instrumentos de política pública existentes.
De acordo com Gilberto De Martino Jannuzzi, coordenador do projeto e professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, esse tipo de informação é de grande importância para o consumidor porque, para além de fiscalizar o setor, ele pode avaliar o seu gasto com determinados equipamentos, mensurar a eficiência desses aparelhos e qual o seu impacto na economia do país, além de conhecer quais os melhores programas e projetos que estão sendo desenvolvidos no Brasil na área de EE. “O consumidor poderá também comparar o número de empregos gerados com EE e outros tipos de energia, saber se os programas da concessionária da sua região estão trazendo resultados positivos e quais são as barreiras existentes na implementação de determinado projeto. É uma forma simples e mais objetiva de prestar contas ao consumidor sobre como o seu dinheiro está sendo investido e o quanto a EE impacta no seu bolso”, revela Jannuzzi.
Não há hoje, no Brasil, um local em que se tenha facilmente o acesso a indicadores ou dados que permitam análises sobre EE. As informações estão dispersas e, para obtê-las, apesar da Lei de Transparência (LC 131/2009) e da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), é necessário enfrentar alguns entraves burocráticos que o consumidor não conseguiria com tanta fluidez e praticidade, dificultando qualquer avaliação que possa influenciar na sua decisão de compra ou mesmo mudança de comportamento quando se fala em economia de energia.
Além dos diversos formatos de arquivos, como planilhas, tabelas, gráficos e infográficos, o usuário do portal terá acesso a algumas análises já realizadas pela equipe do projeto como, por exemplo, quais os melhores programas de iluminação que estão sendo realizados no país, além de contar com a opção de cruzar dados e informações para obtenção das suas próprias análises. Os dados são públicos e poderão ser baixados pelos usuários.
De acordo com o professor Jannuzzi, o Portal terá um papel fundamental como instrumento de apoio para a coalizão em eficiência energética entre várias organizações com interesses afins, como o Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE), o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e Transparência Brasil, entre outras. Por isso, o espaço será muito bem delineado e dividido, sendo um voltado exclusivamente para o consumidor, que poderá verificar o investimento em função da energia economizada por tipo de uso final, permitindo observar o desempenho de cada distribuidora, e outro para os pesquisadores e especialistas da área de energia que poderão, no caso de empresas, conhecer melhor o mercado e os diferentes hábitos dos consumidores.
Para as instâncias de governo, as informações poderão auxiliá-las nos mecanismos de políticas públicas e no seu exercício de planejamento energético para o país; no caso das concessionárias, permitirá que elas invistam em projetos mais focados, específicos.
“Nessa primeira fase estamos levantando os dados dos projetos finalizados e aprovados pela ANEEL dos programas de EE (PEE) das distribuidoras realizados entre 2008 a 2013. Serão ao menos 384 projetos”, informa o pesquisador Rodolfo Dourado Maia Gomes, da International Energy Initiative (IEI Brasil), idealizadora e executora do Portal.
A próxima fase do projeto compreende, além da arquitetura do Portal, o trabalho com esses dados e obtenção de algumas análises, entra as quais o impacto social e econômico na comunidade onde determinado projeto foi desenvolvido e implantado, quais os resultados desses programas em uma região geográfica específica, qual o seu desempenho em determinada região, se deram resultados positivos, o que deu errado, e como foi a fiscalização.
Para Sergio Valdir Bajay, especialista em energia, professor e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Unicamp, já existem portais organizados pelo terceiro setor para outras áreas do conhecimento que estão sendo muito úteis no auxílio a decisões tomadas por órgãos governamentais e empresas (como de emissões de gases de efeito estufa e de poluentes locais), além de subsidiar análises de stakeholders, de uma forma geral, na sociedade civil. “Este será o primeiro portal direcionado para a análise de dados e resultados de políticas, programas e projetos visando ganhos de eficiência energética”, informa o docente.
A atuação da Unicamp no Portal se dará na forma de contribuições de docentes e pesquisadores sêniores da Universidade na orientação da coleta de dados e das análises a serem realizadas nos diversos setores da economia e segmentos da população, assim como na interpretação dos resultados destas análises; e, também, por meio da participação de alunos de mestrado e doutorado em projetos do portal que estejam relacionados com suas dissertações e teses na Universidade, com bolsas de estudo fornecidas pela IEI Brasil, a executora do projeto.
Na opinião de Bajay, para a Unicamp, participar de um projeto pioneiro como este será de grande utilidade no desenvolvimento de atividades de pesquisa na Universidade nesta área, com destaque para as dissertações de mestrado e teses de doutorado, além de fornecerem um rico material para a preparação de aulas para as diversas disciplinas de graduação e pós-graduação que a Universidade já oferece nesse segmento.
Projetos como esse sempre foram de grande interesse para a Universidade. Um exemplo é o Projeto Campus Sustentável. “A Unicamp, uma das maiores universidades da América Latina, tem consumo energético equivalente ao de uma cidade de 60 mil habitantes, e público diário de 80 mil pessoas. Assim, para racionalizar gastos com energia e educar o cidadão que nela se encontra para ser um consumidor consciente, a Universidade, em parceria com a CPFL Energia, está desenvolvendo esse trabalho, composto por oito subprojetos que vão desde a substituição de equipamentos por outros mais eficientes, Geração Fotovoltaica e Mobilidade Elétrica, até a gestão de energia baseada na Internet das coisas”, informa José Luiz Pereira Brites, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA).
Para o professor Jamil Haddad, da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), outra importante parceira e desenvolvedora do projeto, reconhecida pela sua atuação em EE há mais de 30 anos e fundadora do Centro de Excelência em Eficiência Energética (EXCEN), “protagonizar a implantação de um portal pioneiro possibilita a participação de professores e alunos para o desenvolvimento de ações integradas na área de eficiência energética com instituições de pesquisa renomadas”.
A participação da UNIFEI, que já trabalha com diversos temas relacionados à EE como, por exemplo, medição e verificação das medidas de promoção da EE (M&V) e planejamento energético (estudos de potencial, projeção da demanda, gestão da demanda e otimização da oferta), se dará por meio de alunos de pós-graduação e professores. Serão desenvolvidas ações de pesquisa e análise, com a manipulação e o tratamento de dados observando a consistência dos mesmos, possibilitando a integração dos alunos e professores, bem como a publicação de artigos técnicos em periódicos.
Além das duas Universidades participam do projeto também a PUC-Rio, Universidade Federal de Santa Catarina, a empresa de consultoria e inteligência em eficiência energética Mitsidi Projetos, responsável pela estruturação técnica do Portal, e o Instituto Clima e Sociedade (iCS), financiador e instituição com grande atuação em diversas frentes no setor energético.
O prazo de execução é de um ano, tendo iniciado em julho de 2018, e a expectativa é a obtenção de novos parceiros para a implementação das fases seguintes de análises mais específicas e dados mais detalhados, como, por exemplo, acrescentar um módulo sobre a etiquetagem de equipamentos e edificações, outro sobre o impacto das melhores práticas de EE no Brasil, e o monitoramento do objetivo 7 da meta estabelecida pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que é o de assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos.
O investimento nessa primeira fase foi de aproximadamente R$ 650 mil e envolveu uma equipe de oito especialistas na área de eficiência energética, entre alunos, pesquisadores e professores.
O lançamento do portal está previsto para acontecer no ano que vem, quando já se espera ter sido consolidada a primeira fase do projeto, e contará com a presença de empresas, ONGs, concessionárias de energia e representantes do governo. A intenção com o evento e lançamento do PBIEE é também captar novos parceiros para a continuidade do projeto com possibilidades de aquisição de dados mais detalhados e análises mais específicas também em outros campos, como saúde, geração de empregos, diagnósticos de mercado, relações com o meio ambiente, e outros.
Por que é importante conhecer e entender Eficiência Energética?
Para entender a eficiência energética é preciso que ela seja analisada em suas dimensões técnica, econômica (tecnologias de energia, geração, uso final, estrutura da economia e crescimento econômico) e socioeconômica, que compreende a análise dos hábitos de consumo e o comportamento do consumidor, questões que influenciam diretamente no aumento ou diminuição e formas mais ou menos eficientes do uso da energia.
O objetivo de se buscar a eficiência energética é a obtenção de mais e melhores serviços (iluminação, força motriz, aquecimento, por exemplo) com menos energia primária. A EE é um bem público, é reconhecida como um recurso de utilidade pública em que o próprio mercado pode estimular ações e investimentos privados que influenciam inclusive na mudança de comportamento do consumidor, auxiliando-o, por exemplo, na aquisição de equipamentos mais eficientes e no uso mais racional da energia.
No Brasil, existem alguns tipos de mecanismos de políticas públicas para EE: suporte (informação e treinamento), comando e controle (leis e regulação, normas técnicas), mercado (taxas, incentivos, leilões de eficiência, certificados brancos) e fundos (fundos de aval para Escos, CTEnerg e PEE).
De acordo com Jamil Haddad, da UNIFEI, é importante relembrar a importância do Programa de Eficiência Energética (PEE) e como se deu seu início: a partir da regulação e reestruturação do setor elétrico na década de 90, surgiram iniciativas para garantir o incentivo ao uso racional de energia, que culminaram no estabelecimento do Programa de Eficiência Energética das distribuidoras (PEE) da ANEEL (Lei nº 9.991/2000), que estabelece a obrigatoriedade de aplicação do montante mínimo de 0.5% da receita operacional líquida das concessionárias e permissionárias de serviços públicos de distribuição de energia elétrica em programas de eficiência energética. Partindo de uma amostra de 1.704 projetos registrados no programa, tem-se uma economia prevista de 4.628.68 GWh e uma demanda retirada de ponta de 1.403.40 MW, cujos investimentos são destinados principalmente a projetos voltados para população de baixa renda (58,8%), e aos setores residencial (11,7%) e público (9,5 %).
Desde sua criação, o programa vem sofrendo alterações regulatórias e políticas, que modificam a aplicação de investimentos, fator decisivo no alcance dos objetivos energéticos. Em 2015, o programa sofreu novas alterações pela Lei 13.203/2015, que trata sobre a repactuação do risco hidrológico de geração de energia elétrica pelos agentes setoriais, estabelecendo uma ampliação da aplicação dos recursos dos programas de eficiência energética voltados a consumidores rurais ou de baixa renda de 60% até 80%.
Foi estabelecida também a Lei nº 13.280/2016, que modificou a distribuição dos recursos, destinando 20% do total ao Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL), concluiu Haddad.
Para mais informações e acompanhamento do projeto acesse: www.iei-brasil.org
Fonte: Portal da Unicamp