Com as crises econômicas, surgem com frequência a sedução por propostas messiânicas ou o saudosismo de períodos autoritários do país
Indicadores econômicos informam que as empresas começaram a oferecer melhores salários iniciais, os chamados salários de admissão. Talvez seja das poucas boas notícias em nosso dramático cotidiano. São sinais de melhora da renda, mas não diminuição do desemprego, porque continuamos com 14 milhões de desempregados.
Temos insistido aqui na questão do desemprego. Este é a mais cruel consequência de uma economia de mercado e um imenso desperdício de recursos humanos de uma sociedade que se quer desenvolvida. Sem emprego, o homem perde sua inserção na sociedade, tem sua identidade desfigurada, seu núcleo familiar corroído. E, se a interdição ao trabalho for longa, ele pode perder suas qualificações.
Além das dramáticas consequências econômicas que fazem com que nações fiquem estagnadas ou retrocedam décadas, o desemprego costuma produzir consequências políticas. Uma crise longa pode levar um país a ficar seduzido por propostas messiânicas.
A mistura de inflação galopante, desemprego em massa, pagamento de indenizações vultosas e baixa autoestima permitiu o surgimento de uma personalidade como a de Hitler na Alemanha após a Primeira Guerra. Uma nação tão rica material e culturalmente não teria ficado hipnotizada por uma liderança como a dele senão estivesse vivendo uma situação sem precedentes.
Na outra ponta, como exemplo do bem, temos a figura de Franklin Delano Roosevelt, que assumiu a Presidência dos Estados Unidos quando 20% da força de trabalho estavam desempregados. Com seu New Deal, conseguiu reerguê-lo. Transformou-se num candidato presidencial imbatível, vencendo quatro eleições seguidas. FDR foi tão marcante que o próprio sistema americano modificou a Constituição para limitar a Presidência a apenas dois mandatos.
Com as crises, surgem com frequência a sedução por propostas messiânicas ou o saudosismo de períodos autoritários do país, mesmo que a única motivação, ainda que não consciente, desses defensores seja a memória de tempos econômicos melhores.
Sabemos que nossa crise é mais política do que econômica. A grande dúvida é se o governo Temer, ou o que resta dele, será capaz de aprovar as reformas prometidas. Ninguém questiona a qualidade técnica da equipe econômica, mas a força de torná-las realidade.
Teme-se também a desmontagem dessa equipe após a mudança abrupta e indesejável ocorrida no BNDES.
O desemprego é mais cruel ainda num país como o nosso, sem rede de proteção social. Não temos saúde pública, a Previdência pública não funciona, a privada também não.
As teias de solidariedade do nosso tecido social se desmancham aos nossos olhos. A única rede de proteção do povo brasileiro é o trabalho, que impede o salário zero do desemprego.
O país precisa das reformas. O governo também. A da Previdência, economicamente, é a mais importante.
O desequilíbrio do custo médio das aposentadorias do setor público e do setor privado mostra de forma matemática e irrefutável que, se não houver participação integral do setor público na reforma, ela não existirá.
A questão da idade da aposentadoria é adereço irrelevante em comparação com essa macroquestão.
A reforma trabalhista é pesadelo recorrente. Getulio Vargas talvez tenha sido o mais importante presidente do país, mas parte do arcabouço trabalhista, que foi fundamental nos anos 30, tornou-se anacrônico hoje.
É inacreditável que, num momento que o mundo debate as consequências da internet e do comércio eletrônico no mercado de trabalho, estejamos ainda discutindo o fim do imposto sindical.
Caso não aprove as reformas, o governo terá ele mesmo dificuldades de se manter.
Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado e foi ministro da Cultura
Fonte: O Globo