O principal centro de pesquisas do setor elétrico nacional passa por um processo de desmonte que em breve poderá se tornar irreversível. O Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) é o maior centro de inovação e desenvolvimento tecnológico em energia elétrica da América do Sul, com características únicas no país. Tem desempenhado um papel central no Sistema Interligado Nacional (a rede de transmissão elétrica brasileira), bem como no desenvolvimento tecnológico do setor elétrico brasileiro. No mundo inteiro, o processo de transição energética para fontes renováveis e a modernização do setor elétrico demandam a atuação de centros de referência em P&D como o Cepel.
Ligado ao grupo Eletrobras, o Cepel é responsável, entre outras funções, por projetos e produtos para a detecção de falhas em equipamentos e no fornecimento de energia, prevenção de apagões e pelo suporte tecnológico à transição da matriz energética para fontes renováveis, um processo crucial para o Brasil nos próximos anos. O Cepel também atuou fortemente em programas de universalização do acesso a energia como o “Luz para Todos” e atende ao Procel (o programa nacional de eficiência energética), através da sua rede de laboratórios.
No entanto, a privatização da Eletrobras colocou o centro de pesquisas em grande risco. A Eletrobras e as suas subsidiárias financiam aproximadamente 80% do orçamento anual do centro. A lei de privatização da Eletrobras (14.182/2021) prevê um prazo de seis anos para a extinção dessa fonte de recursos, permitindo a redução em um sexto ao ano, ou 50% em um período de três anos!
Antes mesmo de se iniciar a redução dos aportes da Eletrobras, a diretoria do Cepel já se adiantou, realizando cortes de custos agressivos e procurando “soluções no mercado”, mas não mostrando empenho na busca por fontes de financiamento sólidas. O projeto de privatização da Eletrobras iniciou-se há cerca de cinco anos, não se podendo alegar que faltou tempo para a busca de alternativas de sustentação do centro. Em todo o mundo, centros de P&D requerem fontes de financiamento seguras para a sua subsistência, ainda que recursos complementares possam ser buscados no mercado. Instituições de P&D não podem ficar dependentes da sorte e das instabilidades do mercado. Uma garantia de recursos é necessária para manter projetos de médio e longo prazo com retorno financeiro incerto, mas que beneficiarão o setor elétrico e a sociedade.
A operação de desmonte da infraestrutura do Cepel, de forma irreversível e rápida, foi denunciada no mês de dezembro de 2022 em documento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU/CUT) e do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE). Os eletricitários alertam para o encerramento de laboratórios e a promoção de demissões de profissionais estratégicos, medidas que poderão inviabilizar o centro.
Ainda mais temerário é o plano de reestruturação do Cepel, apresentado recentemente pela direção ao corpo de empregados. Planeja-se uma mudança do estatuto e a divisão do centro em quatro partes distintas, “esquartejando-se” a instituição. Esse quadro levanta vários questionamentos: O Cepel será transformado em quatro empresas com CNPJs diferentes? Como ficará a repartição de recursos entre esses novos setores? Será que algum deles receberá mais recursos da Eletrobras e até de outras fontes, enquanto outros ficarão submetidos ao mercado? Qual o impacto dessa assimetria de investimentos e da perda de sinergia entre as áreas de pesquisa? Quais serão os impactos dessa divisão sobre o corpo de empregados?
A direção do Cepel colocou em andamento um programa de alienação e doação de equipamentos, encerramento de laboratórios e de projetos de pesquisas. As demissões, em sua maioria de forma sumária e imediata, atingiram inclusive funcionários concursados e posicionados em postos estratégicos.
Os equipamentos e a infraestrutura do Cepel, resultado de 48 anos de investimentos de recursos públicos, não foram incluídos na privatização da Eletrobras, significando que não deveriam ser alienados ou desativados arbitrariamente. Diversos laboratórios e equipamentos foram descontinuados e outros poderão sofrer o mesmo destino no futuro próximo. São perdas significativas, que certamente deixarão o setor elétrico nacional muito vulnerável.
Além do Laboratório de Diagnóstico em Equipamentos e Instalações Elétricas, que atuava na identificação, monitoramento e predição das causas de falha de equipamentos e instalações, como transformadores e subestações de energia, também já foram encerrados o Laboratório de Impulso de Corrente, que atendia a demandas relacionadas a equipamentos de proteção contra raios e descargas atmosféricas; o Laboratório de Propriedades Elétricas e Magnéticas, para análise e teste dos mais variados materiais e dispositivos aplicados no setor elétrico (condutores, isolantes, reatores, cabos para linhas de transmissão e distribuição, etc.); o Laboratório de Supercondutividade, que atuava em tecnologias de ponta; o Laboratório de Medição de Energia, com inúmeras patentes de equipamentos e produtos para proteger as concessionárias de distribuição contra o furto de energia.
As denúncias feitas pela FNU e o CNE incluem, ainda, casos de assédio moral e a uma operação que teria como objetivo final a entrega da sede, localizada na Cidade Universitária do Rio de Janeiro. Os funcionários temem que o mega projeto Casa Nzeb (Near Zero Energy Buildings), que prevê edificações sustentáveis de alta eficiência com redução das emissões de carbono, fique como um “legado” para a Ilha do Fundão e termine abandonado. Nesse cenário, as atividades da sede seriam transferidas para a Unidade de Adrianópolis, bairro da periferia de Nova Iguaçu (RJ), afastando o Cepel da COPPE e da UFRJ, universidade que tem um longo histórico de colaboração com o centro.
De acordo com o relatório anual do Cepel referente ao exercício de 2021, foram investidos naquele ano R$ 187 milhões para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e desenvolvimento, serviços tecnológicos, licenciamento de programas, realização de ensaios e gestão. Ao final de 2021, eram então 81 projetos em desenvolvimento e outros 13 em fase de planejamento com clientes.
Contudo, o fechamento de laboratórios e a desativação de equipamentos de alta tecnologia poderá levar o Cepel a deixar de ser um agente de P&D e de prestação de serviços tecnológicos críticos, como o de diagnóstico dos casos de falhas no sistema elétrico. “Apagões” como os de Macapá, Itaberá, Angra e Manaus, sempre tiveram no Cepel o ponto de perícia e prevenção contra novos incidentes.
Muitos dos equipamentos laboratoriais do Cepel são usados para avaliação, inspeção e aumento da vida útil de usinas termelétricas, aerogeradores e plantas de energia solar. O centro opera, por exemplo, o SAGE, plataforma de gestão, controle, supervisão e simulação em tempo real para sistemas elétricos mais utilizada no Brasil, com cerca de 1,8 mil instalações licenciadas. O sistema é aplicado na operação das redes elétricas das maiores empresas do setor e de toda a rede nacional.
No momento, é urgente estancar o desmonte da infraestrutura laboratorial; não entregar a sede da Ilha do Fundão e não demitir empregados efetivos que são chaves para laboratórios e projetos de pesquisa e desenvolvimento.
Os funcionários também repudiam a demissão da presidente da Associação dos Empregados do Cepel (ASEC), reeleita para mais dois anos de mandato. Foi a primeira vez na história da instituição que se demitiu o ocupante da Presidência da ASEC, em pleno exercício do mandato. Nem na época do governo Collor isso aconteceu. Essa demissão é considerada como uma afronta ao corpo de empregados e a todas às suas representações.
Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE
Federação Nacional dos Urbanitários (FNU/CUT)
Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU/CUT)
Fonte: Jornal GGN