Nossa infraestrutura jurisdicional no campo trabalhista, não foi ouvida, tão pouco os trabalhadores ou seus representantes. Juristas independentes igualmente não o foram.
O Governo Federal, no final de 2016, encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de reforma trabalhista. A iniciativa tramitou na Câmara dos Deputados como o PL Nº 6787/2016. A proposta teve por objetivo, segundo o governo, a alteração de pontos específicos da CLT relacionados, principalmente, à jornada de trabalho.
Foi apresentado, em abril deste ano, um substitutivo à Comissão Especial da Câmara, tendo o mesmo recebido 800 emendas, alterando o projeto original, redundando em mais de 100 alterações para a CLT.
O Plenário da Câmara, em 26 de abril, aprovou a reforma trabalhista, encaminhada ao Senado, que em 20 de junho, por sua Comissão de Assuntos Sociais (CAS), rejeitou a proposta. Mesmo rejeitada, a proposta foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e em seguida para votação em plenário, sob denominação de PLC Nº 38/2017. Em 11 de julho, o texto da reforma, idêntico ao aprovado pela Câmara em abril, foi igualmente aprovado pelo Senado Federal.
A breve síntese do processo legislativo traz uma revelação muito clara: o açodamento com que a reforma tramitou e foi aprovada por nosso Legislativo. Nossa infraestrutura jurisdicional no campo trabalhista, não foi ouvida, tão pouco os trabalhadores ou seus representantes. Juristas independentes igualmente não o foram.
Direitos sociais
A Constituição Federal de 1988 dedicou o seu artigo 7º a dispor sobre as garantias dos trabalhadores, de forma que os direitos trabalhistas fizessem parte dos direitos e garantias fundamentais, incorporando-se aos direitos sociais, sendo o trabalho uns dos pilares fundamentais da nossa república.
O que se viu da reforma trabalhista aprovada foi um amontoado de alterações descompromissadas com os princípios constitucionais que regem o trabalho, mutilando e transfigurando a CLT, contra tudo e contra todos.
A aventura legislativa que transformou a CLT numa espécie de Frankenstein jurídico, contrariamente ao pretendido por defensores, não criará empregos, pois foi concebida tão somente com o intuito de reduzir os custos de pessoal; também não será indutor de crescimento econômico, porque isso depende de políticas macro econômicas; também não pacificará as relações trabalhistas, porque a percepção geral que se tem é de que representou a sua precarização. E aí por diante.
Que a CLT, porque diretamente relacionada com a dinâmica da economia, precisava sofrer atualizações, até mesmo motivadas por reiteradas decisões sumuladas do Tribunal Superior do Trabalho e até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, disso não pairava dúvidas. Mas o que não é razoável no momento em que vivemos, é uma reforma legislativa que altera toda uma jurisdição, que transforma todo um regime jurídico, sem os necessários e suficientes debates jurídicos e políticos, levada a efeito por pessoas desqualificadas e desconectadas com os interesses maiores da nação.
Ações trabalhistas
A reforma trabalhista, em síntese, subverte basicamente todo o sistema constitucional de direitos trabalhistas e sociais.
Um dos seus eixos principais da reforma calcou-se na tese de que quase a totalidade de ações trabalhistas no mundo estaria no Brasil. Nada mais falso. Somente para se ter uma ideia, a Espanha, com uma população quatro vezes menor do que a do Brasil, teve 1 milhão de processos em 2015, enquanto o Brasil teve 2,6 milhões. Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça, a Justiça do Trabalho brasileira é responsável por em torno de 5% dos processos que tramitam no judiciário nacional.
Veja-se, a exemplo de outras transgressões constitucionais, o artigo que condiciona as indenizações decorrentes de ações ressarcitórias propostas perante o Poder Judiciário, ao salário percebido pelo trabalhador. Além de aviltante, dispositivos sustentados por esse princípio já foram rechaçados, por inconstitucionais, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando vedou mecanismos de “tarifação da vida” ao julgar a Lei de Imprensa.
Prejuízos econômicos
Outro ponto merecedor de severas críticas é a institucionalização do denominado “trabalho intermitente”, onde o trabalhador presta seus serviços ao contratante mediante um chamado antecedente de pelo menos três dias, a partir de um contrato de salário, dias e jornada de trabalho. Com a amplitude como foi concebido, o instituto resultará em sensíveis prejuízos econômicos aos trabalhadores, quando o contrato condicionar a prestação do serviço a termos previamente contratados, o que poderá acarretar até em negativa de pagamento. Segundo dados da OIT, na Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia, Itália e Nova Zelândia, a jornada intermitente foi proibida. Essa proibição está perto de ocorrer na Austrália e na Inglaterra. O Brasil, ao aprovar o trabalho intermitente, está mais uma vez indo na contramão do mundo.
Outros pontos da reforma trabalhista, dentre outros, que são flagrantemente inconstitucionais: a possibilidade de grávidas trabalharem em condições insalubres; a criação da figura do autônomo exclusivo, que prestará serviços a apenas um empregador; a possibilidade do recorrente em processo judicial de arcar com custos da perícia; a terceirização no serviço público; a retirada de abonos e outros benefícios da condição de salário; restrições ao acesso à justiça trabalhista.
Inúmeras ações diretas de inconstitucionalidade já foram propostas contra vários dispositivos legais da reforma trabalhista. Também tramitam no Congresso Nacional dezenas de projetos de lei revogando inúmeros dispositivos da CLT que foram introduzidos pela reforma. Caberá ao STF fazer valer os princípios constitucionais. Mas antes, a jurisdição trabalhista, através de sua magistratura, saberá lidar incidentalmente com os descalabros que foram instituídos. A conferir.
Irineu Ramos Filho – Advogado, Assessor Jurídico do Senge-SC