A lei brasileira proíbe a paralisação de atividades essenciais como a distribuição de combustíveis, alimentos e remédios, mas o governo adotou estratégias distintas para combater nos tribunais as duas categorias que cruzaram os braços nos últimos dias.
No caso dos petroleiros, que iniciaram na quarta (30) greve de 72 horas, o governo recorreu à Justiça do Trabalho, que declarou o movimento ilegal e fixou em R$ 2 milhões a multa diária para cada sindicato que desrespeitasse a decisão. O movimento foi suspenso um dia depois.
No caso dos caminhoneiros, que pararam no dia 21 e permaneceram encostados à margem das rodovias por mais de uma semana, o alvo principal do governo foram transportadoras acusadas de descumprir uma ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) que mandou desobstruir estradas afetadas pelo movimento.
A diferença tem a ver com as dificuldades para aplicar a legislação ao caso dos caminhoneiros, em geral trabalhadores autônomos que prestam serviços para as transportadoras sem manter vínculo empregatício com elas, e em muitos casos eles mesmos proprietários de mais de um caminhão.
A Lei 7.783, de 1989, que trata do exercício do direito de greve e define as atividades essenciais que devem ser mantidas em qualquer caso, não classifica os serviços prestados pelos motoristas de caminhões como essenciais, embora seu trabalho seja muitas vezes indispensável para as atividades que a lei considera essenciais.
“Os princípios previstos pela legislação devem ser observados, e isso inclui coibir excessos de qualquer categoria em detrimento da população em geral”, diz Letícia Ribeiro, sócia do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe.
Mas é difícil aplicar o princípio a um movimento de liderança difusa como o dos caminhoneiros, que mantiveram a paralisação por alguns dias mesmo depois que associações da categoria fecharam um acordo com o governo.
“O que ocorreu não era uma greve de funcionários das transportadoras, mas um movimento de pressão contra o governo, em que caminhoneiros e transportadoras têm interesses em comum”, afirma Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou 42 ações com pedidos de reintegração de posse de rodovias ocupadas, mas muitos juízes estaduais não atenderam aos pedidos. O governo foi ao STF, para desbloquear as estradas e multar dezenas de empresas.
O ministro Alexandre Moraes, relator do caso no Supremo, tomou essas medidas no quinto dia do movimento dos caminhoneiros e eles continuaram parados, mas o governo tem a expectativa de que o rigor da Justiça inibirá novas paralisações. As multas fixadas pela corte alcançaram R$ 141 milhões até quarta.
Em paralelo, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) abriu investigação sobre a atuação de uma dúzia de associações de caminhoneiros, incluindo no grupo a CNT (Confederação Nacional do Transporte), que representa as empresas e nega ter apoiado o movimento.
A legislação proíbe os empresários de fazer locaute, que a lei define como a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de atrapalhar negociações em andamento com os funcionários da empresa.
Mas não é o que aconteceu com os caminhoneiros, notam especialistas. “O motorista de caminhão em geral é patrão de si mesmo”, diz o advogado Iraci Borges, que representa o Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba e outras entidades.
No caso dos petroleiros, a AGU e a Petrobras recorreram ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) e conseguiram na terça (29) uma liminar contra os 18 sindicatos que participam do movimento.
Os petroleiros pediam a redução dos preços dos combustíveis, o fim dos planos de privatização de refinarias e outras unidades da estatal e a demissão do presidente Pedro Parente, entre outras reivindicações.
O governo alegou que a greve tinha caráter político e prejudicaria a população no momento em que postos voltam a ser abastecidos.
O coordenador da FUP (Federação Única dos Petroleiros), José Maria Rangel, disse em vídeo a sindicalistas que a greve é vitoriosa, apesar de ter sido suspensa. “Conseguimos dialogar diretamente com a pauta da sociedade, que não aguenta mais pagar o preço abusivo que está sendo cobrado no litro da gasolina, do óleo diesel e pelo botijão de gás”, disse Rangel.
Fonte: Folha SP