Em ano de Copa do Mundo, é importante começar dizendo que, apesar do título, este não é um artigo sobre o mundial. É sobre uma daquelas coisas que, apesar de todo o esforço – pelo menos retórico -, faltou combinar com os russos: se de fato queremos energia, nas suas diversas formas, com segurança de suprimento e preços competitivos, precisamos passar a ‘acreditar’ em concorrência. Enquanto isso não ocorrer, perdas dramáticas – à la 7×1 – periódicas são crônicas anunciadas.
Fizemos reformas importantes, na década de 1990 no caso do petróleo e gás, inclusive constitucionais, para permitir a liberalização das indústrias de energia no país. Apesar de abertura – em alguns casos quase que apenas teórica -, a entrada de novos agentes, quando ocorreu, não necessariamente refletiu em mercados com maior liquidez e mais competitivos. E, agora, estamos simultaneamente assistindo aos efeitos dessa falta no petróleo, no gás e na energia elétrica.
No petróleo e no gás, o diagnóstico é um pouco parecido: alcançamos entrada no upstream, isto é, no segmento da cadeia que abrange a exploração e produção. Temos, atualmente, 134 agentes, mas não conseguimos trazer os benefícios dessa entrada no começo da cadeia para quem está na ponta final, o consumidor. Logo depois, virtualmente todas as demais etapas na linha de produção continuaram verticalmente integradas ou com elevado grau de concentração. Ou seja, houve abertura, mas, em grande medida, ela foi normativa e não de fato. Poderia ter sido, mas não foi.
A resposta cíclica a estas constatações padece das mesmas tentações: já que não se alcançou – ou, talvez, não tenha se buscado – na prática ter concorrência nessas indústrias, nos entregamos à fábula do controle de preços (seja como acionista controlador, seja como normatizador). No petróleo, quando mudamos a decisão corporativa de não mais subsidiar o preço da gasolina, nossas mazelas da falta de competição ficaram claras e a reação foi na mesma linha, de manter o subsídio, só que de outra forma. Veja-se que a própria Constituição, no seu art. 238, ao falar que a lei ordenará a venda de combustíveis de petróleo, deixa claro – por mais que não fosse necessário dizê-lo – que deve fazê-lo respeitando os princípios da Constituição. No longo prazo, no entanto, a solução precisa ser mais sofisticada: entrada no refino.
No gás, anos depois do Decreto do PPT, que mistura controle de preço através de lei – em sentido amplo – e sua implementação como controlador – pois era feito a partir de contratos privados e sujeitos às regras de direito civil -, a conta também voltou.
Na energia elétrica, onde o movimento de abertura foi mais bem-sucedido e a entrada aconteceu nas diferentes etapas da cadeia – geração, transmissão, distribuição e comercialização -, a competição apenas pela entrada, baseada em contratos de longo prazo, sem mecanismos de flexibilidade e sinal adequado de preços, vem impondo consequências pesadas ao setor.
O maior exemplo é o fato de estarmos desde 2014 com a liquidação das transações virtualmente inviabilizadas, com os credores do mercado de curto prazo recebendo apenas 4% de seus créditos na última liquidação. É como se tivesse uma crise geral no sistema financeiro e o banco reconhecesse que eu tenho dinheiro em conta corrente, mas que a cada mês vai me dizer o percentual que poderei utilizar. Para aqueles agentes que estão com uma exposição grande ao mercado de curto prazo como, por exemplo, as termelétricas sem contrato, a situação é bastante complexa, porque eles têm que gerar – pois têm uma obrigação de performance. E, para isso, precisam pagar os fornecedores, mas não têm qualquer previsibilidade em relação ao que vão receber por esta geração de energia.
Apesar de a narrativa fazer soar como se tratasse do ‘fa(r)do tropical’, é importante dizer que essas realidades não são jabuticabas. Continuar com elas, no entanto, pode ser. Na experiência internacional, as reformas vieram em ciclos, foram sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo, porque, via de regra, a abertura legal à entrada de novos agentes ou a mudança de titularidade do monopolista público – a privatização, ou desestatização – não é suficiente para fazê-la acontecer. É preciso dar condições para que a entrada aconteça e ela se desenvolva de forma sustentável ao longo do tempo. Enfim, precisamos andar com as agendas de abertura e isso, envolve, necessariamente, um maior compromisso com a competição. Se assim não for, da experiência internacional, seguiremos apenas com a herança da boa dose de lirismo.
LÍVIA AMORIM – mestre em tributação de petróleo e gás pela Universidade de Dundee, Escócia, e pesquisadora no Centro de Estudos em Regulação de Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/RJ). É consultora em Souto Correa Advogados. Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.
Fonte: Jota