Letícia foi a namorada que Jonathan Tso inventou há cinco anos, ao ingressar na Ambev – a criação foi decorrência do receio de revelar sua orientação sexual aos colegas. Falava em “Letícia” toda vez que, na verdade, queria contar algo sobre o namorado, Leonardo. Meses depois, quando finalmente disse aos colegas que é gay, foi bem recebido. “No início, fiquei em dúvida, não sabia como seria aceito”, disse ele, semana passada, ao ‘Estado’. “Depois disso, passei a ser aberto. Não cometi o mesmo erro.”
Histórias semelhantes à de Jonathan se repetem todos os dias nas empresas brasileiras – onde, em geral, ainda predomina a lei do silêncio, ou as referências veladas, quando o assunto é orientação sexual. Para falar do assunto abertamente e incentivar os funcionários a serem autênticos na vida corporativa, gastando sua energia não em esconder quem são, mas em trabalhar, três empresas criadas no Brasil assinaram em setembro um compromisso com o Fórum de Empresas e Direitos LGBT: a gigante das bebidas Ambev, a petroquímica Braskem e o escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe.
O secretário executivo do Fórum, Reinaldo Bulgarelli, afirma que as três adesões concomitantes são um marco – uma vez que a entidade vem debatendo a questão da diversidade com empresas brasileiras há mais de três anos. Essa dificuldade se estendia, apesar de várias multinacionais com atuação local terem aderido à carta de compromissos da entidade de forma imediata. Entre as signatárias figuram Google, Dow, GE, Avon, Facebook e 3M.
Na Ambev, o tema ganhou força no último ano. Criou-se, no início de 2016, um grupo que debate o assunto dentro da empresa e que hoje já tem dezenas de membros. O vice-presidente de gente e gestão da Ambev, Fabio Kapitanovas, diz que, a partir da abertura do grupo, ficou claro que o público LGBT era relevante, em números, dentro da companhia. Além disso, o debate mostrou que algumas medidas práticas deviam ser tomadas para facilitar a vida deste público no dia a dia.
Na Ambev, parceiros do mesmo sexo já tinham direito, há alguns anos, aos mesmos benefícios de casais heterossexuais, mas o assunto não era tratado diretamente no momento da contração. O funcionário gay tinha de perguntar para obter a informação. Agora, diz Kapitanovas, o material de introdução à companhia já deixa tudo evidente desde o princípio – e por escrito. “Falar abertamente sobre o assunto tira um peso das costas das pessoas”, diz Bruno Rigonatti, que trabalha na área de inteligência de mercado da Ambev e faz parte do grupo LGBT da companhia.
Para quem acompanha o “estilo Ambev” há mais tempo, essa guinada em favor da diversidade surpreende. Um recrutador, que pediu anonimato, lembra que, até dez anos atrás, a empresa não se preocupava com o tema. Ao contrário: era conhecida por buscar profissionais de perfil semelhante. Especialista em cultura corporativa, Cristina Nogueira, sócia da Walking the Talk, diz que a mudança pode ter um fundo pragmático, bem ao estilo Ambev: “A diversidade não era uma questão para a geração anterior, mas pesa na escolha dos talentos de hoje.”
Produtividade. Tirar a questão da orientação sexual do armário, no entanto, pode fazer uma empresa ganhar dinheiro. Estudo da organização Out Now mostra que, entre os profissionais gays nos Estados Unidos, 70% dos que revelam sua opção sexual aos colegas se consideram produtivos; o índice cai para 37% entre os que fazem segredo sobre a vida pessoal.
A sócia do Trench, Rossi e Watanabe, Anna Melo, diz que uma política séria de diversidade pode ajudar não só na produtividade interna, mas também a atrair negócios – em especial na disputa de contratos internacionais. “Participamos de uma concorrência com outros escritórios e acabamos ganhando o trabalho”, conta a advogada. “Depois, descobrimos que, do ponto de vista técnico, outros escritórios tiveram avaliações semelhantes. O que pesou a favor foi a questão da diversidade.”
Fonte: Estadão