A política de desoneração do biodiesel do governo federal tem favorecido a produção de soja do País, sem diversificação das matérias-primas e nem aumento do número de agricultores familiares incluídos nesse mercado. É o que concluiu o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (Cmap) em relatório sobre essa medida, que só em 2022 custou R$ 2,9 bilhões.
O relatório da avaliação, ao qual o Estadão teve acesso, está sendo divulgado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento às vésperas da próxima reunião da 28º Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), que começa na próxima semana, em Dubai. Ele alerta que a dependência da soja traz desafios ao biodiesel no País.
Na avaliação, a Cmap destaca que a obrigatoriedade de mistura do biodiesel ao diesel fóssil foi importante para ampliar a produção desse biocombustível, ajudando o País no desafio de cumprir compromissos ambientais de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) assumidos em Kyoto (1997) e reforçados, em 2015, no Acordo de Paris (2015).
Estudo de 2021 da Empresa de Pesquisa Energética indica que, sem o biodiesel, a concentração de partículas geradas pelo setor de transportes teria sido 4,8% maior apenas na região metropolitana de São Paulo.
A concentração da soja como principal-matéria prima, porém, inviabilizou a promoção da inclusão social e do desenvolvimento regional. Da produção total de biodiesel nacional, 85% vem das regiões Sul e Centro-Oeste.
Essa dependência também é colocada em xeque pelo critério de segurança energética, pois há forte determinação do mercado internacional nos preços praticados. O relatório conclui ainda que há dificuldades para rastrear a origem de matérias-primas, prejudicando a comprovação de práticas agrícolas sustentáveis.
A Política de Desoneração do Biodiesel foi criada em 2004 para incentivar a produção nacional e estabeleceu alíquotas reduzidas de contribuições para o PIS/Pasep e Cofins. A política também pretendia promover a inclusão social de produtores familiares e o desenvolvimento regional.
Um dos instrumentos para isso foi a criação do Selo Biocombustível Social (SBS), que permite ao produtor de biodiesel ter acesso a benefícios diferenciados, desde que atenda a determinadas contrapartidas. Entre elas, adquirir um percentual mínimo de matéria-prima de agricultores familiares, celebrar previamente contratos de compra e venda com esses agricultores ou suas cooperativas, além de assegurar preços mínimos, capacitação e assistência técnica.
Por utilizar como matéria-prima fontes como a soja, mamona, dendê, canola e girassol (dentre outras), o biodiesel é considerado um combustível biodegradável, de fontes renováveis. Ele pode substituir, total ou parcialmente, o diesel produzido a partir de petróleo em motores automotivos ou geradores de energia. Hoje, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de biocombustíveis, atrás apenas dos EUA.
Os técnicos do governo que fizeram a avaliação identificaram que concentração da soja na cadeia produtiva se deu porque o produto já contava com cadeias de produção e distribuição bem estruturadas, o que levou os produtores de biodiesel, em muitos casos, a se estabelecerem próximos aos polos produtores.
A dependência da variação do preço da soja no mercado internacional aumenta o risco de encarecimento do biodiesel em relação ao diesel, por fatores externos.
Com isso, a avaliação conclui que o critério de segurança energética é ameaçado “tanto pela volatilidade dos preços da soja quanto pela incerteza”, ressalta o relatório final. Essa dependência majoritária de uma commodity é verificada também em outros grandes produtores de biodiesel, caso dos Estados Unidos (soja), Alemanha (colza), Indonésia (palma) e Argentina (soja).
A secretária-adjunta de Monitoramento e Avaliação do Ministério do Planejamento e Orçamento, Mirela de Carvalho, informou que o ciclo de avaliação do programa foi feito em 2022 e divulgado agora. Segundo ela, a Receita projetou o custo da desoneração do biodiesel em R$ 2,9 bilhões em 2022. Esse é o subsídio tributário que o governo banca para ter essa política.
Para destacar a importância da avaliação, a secretária ressalta que o setor de transportes foi o responsável por 45,4% das emissões totais de gases em 2019 e o diesel de origem fóssil continua sendo o combustível mais consumido no Brasil.
Sobre as soluções para os problemas, ela aponta que é preciso agora discutir com outros ministérios envolvidos com o tema as saídas para os problemas diante do diagnóstico feito.
O foco das avaliações é melhorar a eficiência do gasto público e corrigir rotas. O Ministério do Planejamento criou uma Secretária de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas para dar “protagonismo” para essas avaliações que são feitas dentro do Executivo e fortalecer essa cultura nos órgãos públicos. As políticas são avaliadas em ciclos que podem durar até dois anos e escolhidas por meio de algoritmos.
Fonte: Estadão