Mulheres brasileiras que são as principais provedoras de renda de suas famílias gastam quase 19 horas por semana com afazeres domésticos, mais do que o dobro das 7,5 horas que seus maridos dedicam a tarefas em casa.
Os cálculos feitos pela pesquisadora Simone Wajnaman, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostram que a desigualdade de gênero permanece alta no Brasil, apesar da maior inserção feminina no mercado de trabalho nas últimas décadas.
“Mesmo nos casos em que a mulher é a provedora principal, respondendo por mais de 50% da renda do casal, a disparidade nas horas destinadas a trabalhos domésticos é enorme”, diz Wajnaman.
A dupla jornada de trabalho das mulheres é uma das principais justificativas para as leis que permitem às mulheres se aposentar mais cedo que os homens, tanto no Brasil como em outros países.
Mas o tratamento especial assegurado às mulheres tem sido colocado em xeque por mudanças demográficas, como a queda da fecundidade e o envelhecimento da população, e pelas dificuldades que os governos de vários países encontram para financiar seus sistemas previdenciários.
As soluções mais comuns têm sido o aumento do tempo de contribuição exigido para aposentadoria –obrigando as pessoas a ficar mais tempo no mercado de trabalho– e a adoção de regras parecidas para homens e mulheres, reduzindo ou mesmo eliminando diferenças de tratamento.
Após a crise global de 2008, países europeus como Áustria, Itália e República Tcheca aumentaram a idade mínima legal para aposentadoria e estabeleceram um cronograma para sua convergência gradual entre os sexos. Estados Unidos, Canadá e Grécia já adotam idade mínima igual para a aposentadoria de homens e mulheres.
O Brasil é um dos poucos países do mundo em que os trabalhadores do setor privado não têm idade mínima para se aposentar. Hoje, os homens podem se aposentar após 35 anos de contribuição para a Previdência, e as mulheres, depois de 30 anos.
Se não conseguirem o benefício dessa maneira, as mulheres têm o direito a se aposentar após completarem 60 anos de idade e pelo menos 15 de contribuição. Os homens alcançam o mesmo direito após completarem 65 anos.
A proposta de reforma da Previdência em estudos no governo Michel Temer prevê a fixação de uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria. Ainda não está decidido se a regra também vai valer para as mulheres ou se a idade mínima exigida será alguns anos menor para elas.
Uma possibilidade é adotar a mesma idade mínima para homens e mulheres, dando a elas um período mais longo de transição para a adaptação às novas regras.
O principal argumento dos defensores da equiparação é o custo da aposentadoria feminina precoce. As mulheres vivem mais do que os homens e a diferença tem crescido. Em 2014, a expectativa de vida das mulheres no Brasil era 78,8 anos, e a dos homens, 71,6.
Nesse mesmo ano, a idade média de aposentadoria foi 59,3 para as mulheres e 60,9 para os homens. Segundo o IBGE, aos 60 anos de idade a expectativa de vida das mulheres era de mais 23,6 anos, e a dos homens, de 20,1 anos.
Embora desfrutem do benefício por mais tempo, as mulheres recebem renda menor depois que se aposentam no Brasil. Somado às iniquidades de gênero no mercado de trabalho, esse fator sustenta a argumentação contrária à equiparação de regras.
MUDANÇA LENTA
O Brasil ocupa o 89º lugar entre 145 países em um ranking do Fórum Econômico Mundial que avalia a equidade entre homens e mulheres, considerando participação no mercado de trabalho e em posições mais destacadas, e diferença de renda, entre outros indicadores. Em 2015, a nota do Brasil nesse quesito foi a mais baixa desde 2009.
Entre 2005 e 2014, depois de um período de expansão, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho, incluindo as que estavam ocupadas e as que estavam à procura de emprego, caiu de 58,2% para 56,1%, segundo estatísticas do IBGE.
Embora as mulheres tenham empatado com os homens em termos de escolaridade, sua renda com trabalho era 25% inferior em 2014, incluindo os setores formal e informal. A diferença já foi maior. Em 2004, o salário das brasileiras era 30% menor do que a média do sexo masculino. Mas a queda tem sido lenta, afirmam especialistas.
“Não vejo mudanças significativas no sentido de aumento de equidade de gênero no Brasil nos últimos dez anos”, diz a pesquisadora Regina Madalozzo, do Insper.
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O QUE VEM POR AÍ
As propostas de reforma do governo
IDADE MÍNIMA
O projeto em estudos no governo prevê idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres, sem distinção
CONTRIBUIÇÃO
O tempo mínimo de contribuição com a Previdência exigido para aposentadoria deve subir de 15 para 25 anos
TRANSIÇÃO
A proposta do governo prevê uma regra de transição para homens com mais de 50 anos de idade e mulheres com 45 ou mais que ainda não tiverem condições de se aposentar no momento da aprovação das mudanças
PEDÁGIO
Quem entrar na regra de transição terá que trabalhar 50% mais tempo para poder se aposentar de acordo com as regras atuais, propõe o governo
SEM TRANSIÇÃO
Homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 só poderão se aposentar de acordo com as novas regras, diz a proposta do governo
NOVA FÓRMULA DE CÁLCULO
O projeto de reforma muda a maneira como as aposentadorias são calculadas. O benefício seria equivalente a 75% da média salarial, mais 1 ponto porcentual por ano de contribuição adicional além do mínimo exigido
50 anos
de contribuição seriam necessários para obter o benefício integral com as novas regras propostas
PENSÃO POR MORTE
A proposta do governo proíbe o acúmulo de pensão por morte e aposentadoria. Os beneficiários teriam que escolher um dos dois
SALÁRIO MÍNIMO
A proposta do governo mantém o piso das aposentadorias vinculado ao salário mínimo, mas benefícios assistenciais como o concedido a idosos e deficientes poderão ser desvinculados
Fonte: Folha SP