O projeto Cresce Brasil faz o alerta para a urgência em vencer a precariedade social no País e oferecer condições dignas de vida à população, fazendo valer o que determina a Constituição Cidadã. Para isso, será preciso muita engenharia, ciência, tecnologia e inovação.
A mais recente edição do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, preparada no final de 2022 e disponível ao público neste início de 2023, faz uma aposta otimista na capacidade nacional de superar a pobreza, a precariedade social e o atraso econômico, científico e tecnológico. Grave e complexo, este cenário, no entanto, deve servir para mobilizar o Brasil em busca de desenvolvimento econômico sustentável, com distribuição de renda e preservação ambiental. Mais que recuperar os prejuízos dos últimos anos, é possível, apesar de todas as dificuldades, repensar os caminhos do País para aproveitar suas vantagens estratégicas à geração de riqueza em prol da maioria do povo brasileiro.
Confira íntegra do documento e as notas técnicas dos especialistas
Sob o título “Hora de avançar – Propostas para uma nação soberana, próspera e com justiça social”, a décima edição da iniciativa lançada pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) em 2006 parte de algumas premissas fundamentais. Entre elas, o imprescindível papel do Estado como indutor do desenvolvimento, assegurando investimentos em infraestrutura urbana e de produção.
Ainda, a implantação de uma política industrial efetiva que alavanque o segmento, buscando ganhos de produtividade e competitividade no mercado global, o que exigirá investimentos públicos e privados em ciência, tecnologia e inovação, unindo órgãos públicos, as universidades e o setor produtivo.
O trabalho, produzido a partir de notas técnicas elaboradas por especialistas nos respectivos setores e debatidas entre os engenheiros, aponta o papel fundamental da agropecuária brasileira. Considerada decisiva para a economia nacional e balança de pagamentos, deve ter estímulo para crescer, com sustentabilidade socioambiental e ganho de valor agregado em seus principais modos de produção – orgânica, familiar, agroflorestal e de escala e amplamente tecnificada.
Garantir segurança alimentar aos brasileiros deve entrar na agenda do setor como objetivo prioritário e coordenado com políticas públicas que visem à erradicação da fome no País em caráter de urgência. “Não é aceitável que a mesma nação registre sucessivos recordes de safras – a estimativa de produção de cereais, leguminosas e oleaginosas em 2022 é de 261,4 milhões de toneladas segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] – e exportação de alimentos e tenha mais da metade de sua população sem a garantia de um prato de comida para a próxima refeição”, destaca a publicação.
Nesse esforço rumo ao desenvolvimento, está contemplada a premência em se enfrentar as mudanças climáticas e descarbonizar a economia, desafio de monta, que pode ser oportunidade valiosa ao Brasil, já detentor de uma matriz energética 80% renovável, especialmente pela geração hidrelétrica, e com grande potencial fotovoltaico e eólico. A avaliação é que dominar a tecnologia e desenvolver a cadeia de produção nessa seara representará empregos para engenheiros e diversos outros profissionais e qualidade de vida à sociedade.
Na empreitada, será preciso contar com Petrobras e Eletrobras, voltando a gestão desses conglomerados ao interesse público e objetivos estratégicos do País. Isso implica, indica o documento, brecar o desmonte da primeira e atuar para recuperar o controle da segunda, alterando a Lei 14.182/2021 que privatizou a companhia energética.
Qualidade de vida
Meta essencial desse salto de qualidade como nação, defende o “Cresce Brasil”, é oferecer condições de vida adequadas à população, a começar por eliminar o atual déficit de 5,8 milhões de moradias. Além de mobilizar recursos financeiros para a tarefa que terá impacto positivo na construção civil e na geração de empregos diretos e indiretos, é necessário planejar e executar projetos de desenvolvimento urbano, e não só de edificação de unidades habitacionais. Há que se pensar a mobilidade, por exemplo, aproximando dos locais de residência o trabalho, o estudo, o lazer, a cultura e o comércio.
Conforme explicam os especialistas, a missão passa ainda por programas públicos para investimentos na ampliação de capacidade em resíduos sólidos, educação, saúde, água e saneamento, iluminação pública e transporte. Este último requer a implantação de sistemas eficientes e, como demonstram os melhores exemplos no mundo desenvolvido capitalista, deve haver investimento público de todas as instâncias administrativas na sua expansão e operação, já que o serviço tem que ser subsidiado.
Em todo esse universo, é patente a demanda por quadro técnico qualificado, notadamente engenheiros das diversas modalidades que precisam ser alocados nas administrações públicas. Especial atenção precisa ser dada à necessidade de manutenção em todas as áreas, como forma de garantir segurança, qualidade de vida e economia de recursos, evitando-se a deterioração das cidades e dos equipamentos públicos.
Nesse contexto, mantém-se a proposta do projeto “Cresce Brasil” de instituição da área de Engenharia de Manutenção nas administrações públicas, com orçamento e quadro técnico próprio, com o objetivo de garantir o trabalho preventivo permanente e qualificado.
Engenheiros para o Brasil
A nova edição do projeto elege ainda como prioritária a formação adequada dos profissionais ligados ao desenvolvimento e ao bem-estar da população por excelência, ou seja, os engenheiros de todas as modalidades e titulações, atuantes nos diversos segmentos econômicos. A avaliação do “Cresce Brasil” é que as escolas de engenharia devem incentivar a criatividade e o empreendedorismo, com projetos que desenvolvam a autonomia dos estudantes, visando preparar essa mão de obra qualificada, cuja missão será solucionar problemas cada vez mais complexos.
Ainda majoritariamente masculina e branca, a engenharia também terá ganhos com a ampliação da diversidade, sendo, portanto, importante iniciativas que busquem a equidade de gênero e racial na profissão.
Superar quadro de miséria e precariedade
As propostas do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” organizadas na edição “Hora de avançar” têm o objetivo primordial de contribuir para superar o grave quadro socioeconômico nacional de avanço da pobreza e da fome, de falta de moradia e precariedade urbana em geral, de alto desemprego com informalidade crescente e insuficiência de serviços públicos essenciais. Evidente a quem transita pelas grandes cidades brasileiras, com o aumento da população em situação de rua e vulnerabilidade, os indicadores disponíveis não deixam dúvidas quanto à gravidade da situação.
Em 2021, a pobreza atingiu 62,5 milhões de pessoas, das quais 17,9 milhões se encontram na chamada extrema pobreza, o que significa, pelos critérios adotados pelo Banco Mundial, sobreviver com renda de R$ 168,00 mensais per capita. O resultado é o pior desde 2012, início da série histórica apurada pelo IBGE.
Faceta mais terrível desse quadro, a fome aflige 33,1 milhões de brasileiros, conforme o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, que coletou dados entre novembro de 2021 e abril de 2022, com amostra de 12.745 domicílios em 577 municípios de áreas urbanas e rurais. A pesquisa conduzida pela Rede Penssan aponta ainda que apenas quatro em cada dez famílias têm condições de acesso pleno a alimentação, e há um total de 125 milhões de pessoas, ou 58,5% da população, sofrendo com insegurança alimentar em algum grau.
Tamanho flagelo humano resulta principalmente do desemprego que segue elevado, apesar da redução verificada no trimestre de agosto a outubro de 2022 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Esta aponta desocupação de 8,3% contra 9,1% do período anterior, somando cerca de 9 milhões. No entanto, a subutilização da força de trabalho, que leva em conta também os subocupados por insuficiência de horas em atividade e os desalentados, aqueles que desistiram de buscar uma vaga, soma 22,7 milhões de indivíduos.
Nesse contexto geral, preocupante é ainda a taxa de informalidade de 39,1% da população ocupada, compondo o contingente de 39 milhões abandonados à precarização, sem direitos, seguridade social ou expectativa de aposentadoria.
Deixa a desejar o rendimento real habitual médio do trabalhador brasileiro apurado no período em R$ 2.754,00, bem abaixo do salário mínimo necessário calculado em R$ 6.458,86 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para outubro de 2022. O montante corresponde ao ganho que uma família de quatro pessoas precisa para suprir despesas com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, tendo em vista o custo de vida nacional. Para se ter uma ideia, no mesmo mês, só a cesta básica, também pesquisada pelo Dieese, variava de R$ 515,51, em Aracaju, o valor mais baixo do País, a R$ 768,82, em São Paulo, o mais alto.
O desafio colocado ao Brasil é, portanto, gerar empregos de qualidade, com formalização e salários justos, criando um círculo virtuoso de fortalecimento do mercado interno e mais crescimento do consumo e da produção. Isso exige necessariamente a retomada do setor industrial, precocemente encolhido. Conforme o IBGE, em outubro de 2022 a produção nacional da indústria teve variação positiva de tímidos 0,3%, longe de recuperar as quedas recentes, acumuladas em 0,8% no ano e 1,4% em 12 meses. O resultado é 2,1% abaixo do patamar no período pré-pandemia, em fevereiro de 2020, e menos 18,4% em relação ao nível recorde registrado em maio de 2011.
Confirmando o quadro, a Pesquisa Industrial Anual (PIA) Empresa mostra que entre 2011 e 2020, o setor perdeu 9.579 empresas e 1 milhão de postos de trabalho, sendo 5.747 nas indústrias extrativas e 998.200 nas de transformação. Os empregos na engenharia, que haviam crescido 87% entre 2003 e 2013, sofreram o impacto direto desse retrocesso, com os profissionais enfrentando dificuldades no mercado de trabalho a partir de 2014.
O esforço de transformar radicalmente essa situação, resume Murilo Pinheiro, presidente do SEESP, que também está à frente da FNE, deve acontecer em duas direções conjuntamente. “A primeira é melhorar imediatamente as condições de vida da população brasileira. A segunda, que tem como objetivo último promover os meios para que haja justiça social e bem-estar, está focada nas áreas consideradas estratégicas para que o Brasil dê um salto efetivo de desenvolvimento: investimentos em pesquisa e desenvolvimento, reindustrialização do País levando em conta suas vantagens estratégicas e a dinâmica da economia global.”
Fonte: FNE