Um recorde registrado na semana passada mostra que o efeito das mudanças climáticas está cada vez maior: a extensão do gelo marinho formado na Antártida foi o menor para o dia 27 de junho desde o início da medição, em 1979. Na terça-feira passada, a extensão do mar congelado era de 11,7 milhões de quilômetros quadrados, 1,2 milhão abaixo da menor extensão para o dia, registrada em 2022. O patamar desta semana também fica 2,6 milhões de quilômetros quadrados abaixo da média para esse dia, considerado o período de 1981 a 2010.
A tendência de queda começou a ser registrada há quatro anos. Os dados são do National Snow and Ice Data Center (NSIDC, sigla em inglês para Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo), centro de informação dos Estados Unidos que apoia a investigação polar.
“O tamanho médio do mar congelado da Antártida vai de cerca de 2 milhões de km², em fevereiro, até 20 milhões de km2, em setembro”, diz o professor de Glaciologia e Geografia Polar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Jefferson Cardia Simões, pesquisador líder do Programa Antártico Brasileiro e vice-presidente do Scientific Committee on Antarctic Research/Conselho Internacional de Ciências.
“É a maior variação sazonal de um fenômeno natural da Terra, em termos de área”, afirma Simões. A menor área congelada é registrada na fase fim do verão, após meses de calor, e a maior área ocorre no final do inverno, após o período mais frio do ano.
Segundo o pesquisador, a consequência mais imediata no Brasil será a redução da frequência e da intensidade das frentes frias. “A grande consequência é que a superfície do oceano austral está se tornando mais quente e isso começa a mudar os padrões de circulação atmosférica. No caso da América do Sul, (isso) deve começar a afetar a força das frentes frias que avançam sobre o continente. Em algumas décadas, vamos ver menor frequência e intensidade das frentes frias”, prevê.
Para o físico Paulo Artaxo, atualmente no Instituto Max Planck, da Alemanha, explica que o gelo marinho tem papel importante para a circulação atmosférica. “Mudando a área de gelo no entorno da Antártida, pode mudar também a circulação atmosférica. Isso pode mudar essencialmente o fluxo de frentes frias que chegam no sul do Brasil e o fluxo de umidade”, ressalta.
Artaxo, contudo, lembra que essa diminuição da camada de gelo é alertada por cientistas há muito tempo. “Isso tem sido comentado desde a Conferência do Clima de Estocolmo, em 1972, mas pouco se tem feito. Essa redução na camada de gelo na Antártida e no Ártico é um indicativo do aquecimento global.”
Para este ano, meteorologistas já apontam que o inverno no Brasil será menos frio do que a média. As frentes frias devem se estacionar sobre o Estados do Sul, e não devem ultrapassar os limites do Paraná para alcançar as regiões do Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste
Ártico x Antártida
Enquanto o Ártico, no polo norte, é em média 40°C menos frio do que a Antártida e sofre há muito tempo os efeitos do aquecimento global, a Antártida vivia uma situação bem distinta, sem efeitos visíveis do calor. Mas há quatro anos o cenário está mudando.
“Começou a se reduzir essa extensão média do mar congelado, e agora ela está reduzindo mais um pouco. É bem diferente do Ártico, onde a situação é muito mais grave, mas é uma novidade, mais um sinal de que a Antártida começa a sofrer o impacto das mudanças climáticas globais”, diz Simões.,
Fonte: Estadão