Se a alta recorde das principais bolsas do mundo parece ter empurrado boa parte dos novos bilionários de 2017 para o topo do topo da pirâmide socioeconômica global, no Brasil outros fatores tendem a influenciar mais nossa desigualdade de riqueza.
O país ganhou 12 novos bilionários em 2017, segundo relatório divulgado nesta segunda-feira (22) pela ONG britânica Oxfam. Hoje, eles somam 43 ultrarricos. Cinco deles têm riqueza igual à da metade da população brasileira. O país foi apontado por diversos estudos como um dos mais desiguais do mundo.
No ano passado, 233 pessoas no mundo todo entraram para o clube dos bilionários do mundo, onde já havia 1.810 ultrarricos. Nove a cada dez deles são homens, 43 são brasileiros. O relatório global da Oxfam aponta que cerca de um terço das fortunas dos bilionários do mundo provém de heranças ou de relações entre empresários e governos.
Os dois fatores parecem operar por aqui. No Brasil, as alíquotas de imposto sobre herança chegam no máximo a 8%, quando no Reino Unido, por exemplo, podem atingir 40%.
Peça-chave na promoção da desigualdade é o sistema tributário regressivo, que penaliza o consumo, portanto, os mais pobres, mas permite que os mais ricos sejam beneficiados por isenções tributárias que reforçam a concentração da renda. Não há cobrança de IR sobre dividendos e de IPVA para jatos, iates e helicópteros, por exemplo.
Com isso, os 10% mais pobres do país gastam 32% de sua renda em tributos, a maior parte deles indiretos (sobre bens e serviços), e os 10% mais ricos gastam 21%.
Para o economista Sérgio Firpo, professor do Insper, o debate sobre os bilionários tem outro contorno no Brasil.
“Nossa desigualdade é mais ligada a problemas estruturais, como falta de educação pública de qualidade e o fato de os servidores públicos, ativos e inativos, ganharem muito mais que o restante da população”, diz. “Além disso, gênero, cor de pele e região do país mudam o acesso a oportunidades.”
Para fazer o relatório, a Oxfam usa fontes como a lista de bilionários da Forbes e uma base de dados do banco Credit Suisse, mas os cálculos adotados pela ONG não são unânimes, já que não há informações precisas para todos os países –o que requer aproximações.
“Uma das coisas que o Credit Suisse diz é que é preciso cautela, pois a maioria dos países não têm dados completos sobre o patrimônio das pessoas. Só alguns países ricos fazem estimativas completas sobre o patrimônio”, disse o economista Carlos Góes, do Instituto Mercado Popular, à BBC Brasil.
Ainda segundo o economista afirmou à BBC, estudos recentes sobre desigualdade mostram que o fosso global entre ricos e pobres está diminuindo, visto que a renda tem crescido mais rapidamente em países pobres do que nos ricos –caso de Índia e China–, mesmo que a desigualdade tenha crescido em nações mais ricas.
A Oxfam reconhece limitações de dados, mas afirma ser possível avaliar o quadro geral.
“Não existe nenhum dado perfeito. Sempre há limitação. Mas com a quantidade de dados que a gente tem hoje sobre patrimônio, como agregado pelo Credit Suisse, a gente consegue ter uma fotografia da situação”, disse à BBC Brasl Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil.
Outro ponto de debate sobre os relatórios da Oxfam é o critério de patrimônio líquido, que desconta as dívidas, adotado pelo Credit Suisse.
“Um estudante que acabou de se formar em Harvard (universidade de elite dos EUA), ganha US$ 200 mil dólares e toma uísque 18 anos todo fim de semana, mas tem uma dívida estudantil, seria considerado mais pobre que um camponês da índia que só tem uma bicicleta, mas não tem dívidas”, exemplificou Carlos Góes, para a BBC, para mostrar como pode haver distorção.
A Oxfam defende que a recomendação de especialistas é manter as dívidas em seus cálculos e que, se as retirasse, a distorção seria maior.
“A parte mais pobre das pessoas aparentaria ter mais do que tem. Esse efeito seria maior do que o de eventuais estudantes americanos endividados, embora isso exista de fato”, disse à BBC o representante da Oxfam Rafael Georges.
Fonte: Folha SP