Reunidos em Paris desde segunda-feira (29/4), num encontro que vai até o próximo sábado (4/4), cientistas e diplomatas de mais de 130 países fazem uma avaliação mundial dos ecossistemas, a primeira em 15 anos. O panorama é sombrio e o tom da discussão foi dado, sem rodeios, logo na abertura da conferência por Robert Watson, presidente da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES): a destruição da natureza pelo homem ameaça a humanidade da mesma forma que a mudança climática e merece, portanto, igual atenção para evitar impactos avassaladores. “As provas são inegáveis”, atestou Watson.
Sobre a mesa de debates está um relatório de 1,8 mil páginas, que deve se tornar a referência científica sobre a biodiversidade, assim como os do IPCC são para o clima. O documento é resultado de três anos de trabalhos desenvolvidos por um grupo internacional de especialistas. A expectativa de muitos é a de que a avaliação sirva de prelúdio para a adoção de metas ambiciosas na reunião dos Estados membros da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, marcada para o próximo ano, na China.
De acordo com o resumo preliminar do relatório, obtido pela agência de notícias France Presse, praticamente nenhuma das 20 metas previamente estabelecidas para 2020, que visam a uma vida “em harmonia com a natureza” nas próximas três décadas, será alcançada. “O patrimônio ambiental global (…) está sendo alterado a um nível sem precedentes”, adverte o texto.
Segundo a versão inicial do documento, que poderá ser alterada ao longo da semana, várias “evidências independentes apontam para uma rápida aceleração iminente da taxa de extinção de espécies (…) mesmo que os fatores (desse extermínio) não tiverem se intensificado”. Os especialistas alertaram que um quarto das 100 mil espécies avaliadas — um extrato ínfimo dos 8 milhões existentes no planeta — estão ameaçadas de extinção, em decorrência da pressão da agricultura, da pesca, da caça ou ainda das mudanças climáticas.
Responsabilidade
Os cientistas preveem que, com a aceleração esperada da taxa de extinção, entre 500 mil e 1 milhão de espécies podem entrar em situação de risco — “muitas delas nas próximas décadas”. Essas projeções vão ao encontro de temores manifestados por alguns cientistas, nos últimos anos, sobre a possibilidade de um período de extinção em massa, a primeira desde o aparecimento dos homens no planeta.
“Esse relatório fundamental lembrará a todos nós dessa verdade: as gerações de hoje têm a responsabilidade de legar às gerações futuras um planeta que não seja irreparavelmente danificado pelas atividades humanas”, asseverou Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, anfitriã da conferência. “A ciência nos diz o que os nossos sábios vêm reportando há décadas: a Terra está morrendo”, enfatizou José Gregorio Mirabal, presidente da Coica, organização que reúne organizações indígenas da Bacia Amazônica.
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O texto preliminar vincula diretamente as duas principais ameaças, que são o aquecimento global e a destruição da natureza, identificando algumas causas semelhantes, em particular práticas agrícolas e desmatamento, responsáveis por cerca de um quarto das emissões de CO2, bem como danos diretos aos ecossistemas. Pela primeira vez, o relatório global leva em conta os problemas e prioridades dos povos indígenas. “Nós pedimos urgentemente um acordo internacional para a natureza, para restaurar metade do mundo natural o mais rápido possível”, apelou Mirabal.
Contudo, em razão das mudanças a serem implementadas, que requerem adaptações no estilo de vida, a resistência pode ser ainda maior do que em relação à luta contra as mudanças climáticas, preveem os especialistas. Uma das preocupações externadas no primeiro dia de encontro envolve a receptividade dos governos ao relatório. “Pode haver dificuldades com alguns países. Não sabemos como o Brasil reagirá, com o novo governo (de Jair Bolsonaro). Não sabemos o que os Estados Unidos pensam dessa avaliação”, citou Günther Mitlacher, do WWF.
Ciclos de vida
Para muitos cientistas, a Terra está no início de uma nova extinção em massa. Nos últimos 500 milhões de anos, o planeta experimentou cinco episódios em que pelo menos metade dos seres vivos foram erradicados em um piscar de olhos, sob a perspectiva da história geológica. No total, mais de 90% dos organismos desapareceram.
Extinção do Ordoviciano
Quando: há 445 milhões de anos
Desaparecimento das espécies: 60-70%
Causa provável: período glacial curto, mas intenso
Nesse período da era Paleozoica, a vida se concentrava nos oceanos. Os especialistas estimam que uma rápida glaciação congelou a maior parte da água do planeta, provocando a queda do nível do mar. Os organismos marinhos, como as esponjas e as algas, foram os principais afetados, assim como os moluscos, cefalópodos primitivos e peixes sem mandíbula chamados ostracodermes.
Extinção do Devoniano
Quando: há entre 360 e 375 milhões de anos
Desaparecimento das espécies: até 75%
Causa provável: esgotamento do oxigênio nos oceanos
Mais uma vez, os organismos marinhos foram os mais afetados, sobretudo as trilobitas, artrópodes do fundo dos oceanos. A variação do nível dos oceanos, a mudança climática ou o impacto de um asteroide são apontados como possíveis fatores responsáveis. Uma das teorias aponta que a proliferação de vegetais terrestres conduziu a uma anoxia (falta de oxigênio) nas águas de superfície.
Extinção do Permiano
Quando: há 252 milhões de anos
Desaparecimento das espécies: 95%
Causas prováveis: impactos de asteroides, atividade vulcânica
A “mãe de todas as extinções”, como é classificada pelos especialistas, devastou os oceanos e terras. É também a única em que praticamente todos os insetos desapareceram. Alguns cientistas estimam que isso ocorreu durante um período de milhões de anos, outros em apenas 200 mil anos. Nessa fase, as trilobitas, que haviam sobrevivido às duas primeiras extinções, desapareceram completamente, assim como alguns tubarões e peixes com ossos. Na terra, os moschops, répteis herbívoros de vários metros de comprimento, também desapareceram.
Extinção do Triássico
Quando: há 200 milhões de anos
Desaparecimento das espécies: 70-80%
Causas prováveis: não há uma conclusão
Nessa devastação, muitas grandes espécies terrestres, a maioria delas arcossauros, ancestrais dos dinossauros e dos quais descendem os pássaros e crocodilos modernos. A maioria dos grandes anfíbios também desapareceu. Uma teoria fala de erupções maciças de lava durante a fragmentação da Pangea, o último supercontinente, com erupções acompanhadas por enormes volumes de dióxido de carbono que causaram um aquecimento climático galopante. Outros cientistas apontam para asteroides, mas nenhuma cratera correspondente foi identificada até o momento.
Extinção do Cretáceo
Quando: há 66 milhões de anos
Desaparecimentos de espécies: 75%
Causa provável: impacto de um asteroide
A descoberta de uma imensa cratera, onde hoje é a península mexicana de Yucatán, corrobora a hipótese de que o impacto de um asteroide foi responsável pelo desaparecimento dos dinossauros não aviários, como o T-Rex e o triceratopes (foto). Mas a maioria dos mamíferos, tartarugas, crocodilos, sapos e pássaros sobreviveu, bem como a vida marinha. Sem os dinossauros, os mamíferos proliferaram, levando ao nascimento do homo sapiens, uma espécie responsável por uma provável sexta extinção.
Fontes: National Geographic, Enciclopédia Britânica, estudos científicos.
Correio Braziliense