Quando Brumadinho expôs ao mundo a má governança do sistema de barragens, uma luz de alerta acendeu no programa nuclear brasileiro.
Em Poços de Caldas (MG), uma velha mina de urânio acumula milhares de toneladas de rejeitos radioativos.
Segundo estudo da Universidade Federal de Ouro Preto, encomendado após a ocorrência de um “evento não usual”, em setembro de 2018, o sistema extravasor da barragem com parte dos rejeitos está seriamente comprometido e há infiltração, aumentando o risco de ruptura.
Estima-se que uma resolução definitiva para o problema desses rejeitos custaria US$ 500 milhões ao longo dos próximos 40 anos. Não vai acontecer.
Os problemas em Poços são bem conhecidos.
Enquanto a mina esteve em operação (1982-1995), produziu concentrado de urânio para ser usado no combustível de Angra 1, em pesquisas no setor nuclear e num esquema de comércio compensado junto ao Iraque. Mas, quando as atividades na mina foram encerradas, não houve descontaminação das áreas exploradas nem foram seguidos os padrões que garantiriam a preservação ambiental e a segurança das populações afetadas.
Segundo a Agência Nacional de Mineração, até pouco tempo faltavam documentos técnicos que poderiam atestar segurança das barragens existentes, cuja responsabilidade está com a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB). No início de fevereiro, o MPF recomendou a criação de um plano emergencial.
Poços não representa o único desafio da mineração de urânio no Brasil. Incidentes com materiais radioativos já ocorreram na operação do complexo minerador industrial de Lagoa Real, em Caetité (BA), nos anos de 2000, 2002, 2004 e 2009, segundo dados oficiais.
Tais problemas de gestão golpeiam em cheio o programa nuclear brasileiro. Afinal, para destravar o potencial da área são necessários investimentos pesados em infraestrutura. Acontece que nenhum investidor confia num sistema que, por falhas evitáveis, corre risco de terminar num mar de lama radioativa.
O governo federal vem trabalhando há mais de ano para estabelecer novo marco regulatório para o setor nuclear. A ideia é criar as condições para que o investimento privado possa destravar a construção da usina de Angra 3 e expandir a mineração de urânio para estados como Amazonas, Ceará, Goiás, Tocantins, Pará, Paraíba e Paraná.
Esse trabalho importante de melhoria no marco regulatório do setor nuclear ficará soterrado se houver qualquer acidente ambiental com material radioativo. Seria um custo excessivamente alto para a sociedade brasileira, que subsidia o setor nuclear a peso de ouro.
Matias Spektor
Professor de relações internacionais na FGV.
Fonte: Folha de São Paulo