Passados três anos da tragédia de Mariana, apenas um dos três projetos de lei apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) foi aprovado. Deputados estaduais que participaram da elaboração das propostas correm contra o tempo, pois temem que a tramitação volte à estaca zero com o início de um novo mandato em 2019. A ALMG terá uma renovação de 40% dos parlamentares a partir de janeiro.
O único projeto já convertido em lei é o que traz novas regras para a aplicação da Taxa Estadual de Fiscalização dos Recursos Minerários (TFRM). As propostas que ainda tramitam envolvem novas restrições para a construção de barragens e a instituição da Política Estadual dos Atingidos por Barragem e outros Empreendimentos.
“Há influência do setor minerário na ALMG e isso vai atrasando, porque há pontos de tensionamento relacionados com a questão ambiental. Mas estamos trabalhando para aprovar os projetos e ter uma legislação muito mais avançada do ponto de vista social e ambiental”, avalia Rogério Correia (PT), relator da Comissão Extraordinária de Barragens e um dos parlamentares que não continuará na ALMG no próximo ano, pois foi eleito deputado federal. “Se virar o ano, volta para o zero”, reconhece.
Comissão
A Comissão Extraordinária de Barragens foi criada em 12 de novembro de 2015, apenas sete dias após a barragem da mineradora Samarco se romper e provocar a maior tragédia ambiental do país, e era composta por 11 membros de oito partidos.
Os trabalhos foram concluídos em julho de 2016, quando foi entregue um relatório de 282 páginas. Nele, há uma avaliação dos impactos ambientais, sociais e econômicos e uma análise da legislação vigente. No final do documento, foi incluída uma série de recomendações aos órgãos públicos, além da sugestão de três novas leis.
A primeira delas foi sancionada pelo governador Fernando Pimentel (PT) em dezembro do ano passado. A Lei Estadual 22.796/2017 determina que os recursos arrecadados através da TFRM sejam direcionados integralmente para a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) ou estruturas ligadas a ela como o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
A taxa é paga tanto por pessoas físicas como jurídicas que desenvolvam pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de minerais. Segundo os deputados, parcela considerável do valor arrecadado, que deveria ser destinada à fiscalização das atividades minerárias, caía no caixa único do estado e era desviada para outro fins. “Parte desses recursos chegaram a ir, em 2012, para a Parceria Público-Privada (PPP) da Minas Arena [responsável pela reforma do estádio Mineirão]. Até lá foi parar recursos da taxa minerária”, lamentou Rogério Correia.
Dados oficiais do governo mineiro, reunidos pela Comissão de Meio Ambiente da ALMG, mostraram que, em 2014, apenas 12,2% da arrecadação com a TFRM havia sido repassado à Semad. Em 2015, esse valor totalizou 23%. Nesses dois anos, mais de R$ 500 milhões foram recolhidos pelo estado através da taxa, mas menos de R$ 100 milhões foram destinados à Semad.
Projetos
A expectativa de Rogério Correia é de que o projeto que prevê alterações no processo de licenciamento – um dos dois que ainda não foram aprovados – seja votado em segundo turno ainda este ano. A aprovação em primeiro turno ocorreu em dezembro de 2017. O projeto de lei (PL) 3.676/2016 veda, por exemplo, novos empreendimentos distantes menos de 10 quilômetros de comunidades ou mananciais de água. Também fixa multas mais robustas para as infrações e estabelece a proibição da construção de barragens que usem o método de alteamento a montante, assim como era a estrutura da Samarco que se rompeu.
“O licenciamento terá que ser analisado como um todo. Não poderá mais ser fatiado em etapas como ocorre hoje. A empresa precisará apresentar o impacto ambiental global para poder ser aprovado. Um aspecto importante é que a mineradora será obrigada a ter um seguro da barragem, para que não ocorra um acidente ou crime ambiental que fique descoberto”, diz Rogério Correia.
No ano passado, o método de alteamento a montante – método de construção de barragem adotado pela Samarco – foi alvo do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que lançou a campanha “Barragens: a segurança é pra ontem”. Nesta campanha, também se buscava apoio para o projeto de lei de iniciativa popular que ganhou o nome de “Mar de lama nunca mais”, protocolado em julho de 2016 pela Associação Mineira do Ministério Público (AMMP), que recolheu mais de 56 mil assinaturas de eleitores em todo o estado. Por similaridade de tema, a proposta acabou anexada ao PL 3.676/2016.
O MPMG chegou a emitir uma nota técnica defendendo que o projeto de lei de iniciativa popular fosse considerado como a base para um novo marco regulatório estadual de segurança de barragens, uma vez que seu texto seria mais abrangente e ofereceria maior proteção ambiental. Entre diversas medidas positivas que o MPMG destaca na proposta do “Mar de lama nunca mais” está a priorização de tenologias para dispor os rejeitos a seco, a garantia de maior participação popular efetiva ao longo do processo e a previsão de uma caução ambiental.
Atualmente, o método de alteamento a montante está suspenso para novos licenciamentos por força do Decreto Estadual 46.993/2016, assinado por Pimentel pouco mais de cinco meses após a tragédia. De acordo com a Semad, quatro processos de licenciamento ainda estão em análise porque foram formalizados antes da publicação do decreto. Também tramita na Justiça mineira, desde novembro de 2016, uma ação civil pública onde o MPMG pede a proibição do método de alteamento a montante. No entanto, nenhuma decisão judicial chegou a ser proferida.
Licenciamento social
Já a proposta que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragem e outros Empreendimentos é a mais atrasada. Não houve apreciação em primeiro turno. Rogério Correia afirma que o PL 3.312/2016 – que estabelece os direitos dos atingidos de futuros empreendimentos – está pronto para ser votado.
“É uma espécie de licenciamento social, que ocorre ao mesmo tempo que o licenciamento ambiental. Então não há aumento do tempo para se obter o licenciamento. Mas há um maior rigor com as pessoas que serão afetadas”, avalia o deputado.
Para pressionar pela aprovação do projeto de lei, mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) chegaram a fazer um acampamento na entrada da ALMG durante três dias em março deste ano.
Na proposta, são considerados atingidos aqueles que registrarem, por exemplo, perda de propriedade, de posse de imóvel, da capacidade produtiva de suas terras, das áreas destinadas à atividade pesqueira ou de outras fontes de renda e trabalho em decorrência da implantação de um empreendimento.
De acordo com o projeto, a empresa responsável deverá adotar medidas para assegurar a ampla participação das comunidades em processos decisórios, a recomposição territorial e econômica, a oferta dos serviços de saúde e de educação, o acesso universal à água potável e energia elétrica, o respeito às singularidades dos povos indígenas e quilombolas e a transparência das informações. Além disso, há artigos que estabelecem a contratação prioritária de mão de obra local na construção e instalação de barragens e também fixa a preferência pelo reassentamento coletivo, em detrimento do individual.