Novidade no universo das energias renováveis que não sai da boca de políticos, ambientalistas e executivos, o hidrogênio verde (H2V) amplia perspectivas no mundo e deixa o Brasil em posição de liderar esse futuro mercado, apontam especialistas. A nova tecnologia, capaz de viabilizar a exportação de energia sustentável, demanda fontes renováveis como eólica e solar, que não faltam no Brasil.
— Há um alvoroço no mundo com essa decisão da Alemanha de importar hidrogênio verde. É uma novidade que abre oportunidade de negócio única, e o Brasil é candidato natural a produzir o H2V — diz Ennio Peres da Silva, coordenador do Laboratório de Hidrogênio da Unicamp.
Outros países europeus devem seguir o passo. Com isso, abre-se um mercado bilionário de H2V, já que não havia até agora um grande comprador no mercado mundial. Com maior escala, a produção deve ficar mais barata.
Para que sejam alcançadas as metas globais de descarbonização, o consumo de hidrogênio no mundo terá de aumentar pelo menos seis vezes nos próximos 30 anos, especialmente em usos industriais e mobilidade, aponta Jorge Pereira da Costa, sócio de Energia da consultoria estratégica alemã Roland Berger Brasil.
Combustível multiuso
O combustível pode substituir os de origem fóssil em diferentes áreas, das indústrias siderúrgica e petroquímica à remoção de enxofre da gasolina. Entre os derivados estão a amônia, usada pela indústria de fertilizantes, o metanol e até o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Na transição para a economia de baixo carbono, o H2V será indispensável para que indústrias reduzam suas emissões de CO², diz Peres.
Circulam no setor informações de que empresas brasileiras sondaram as condições do leilão alemão, mas nenhuma fez sozinha uma proposta firme para entregar H2V no próximo ano. Isso porque a produção desse combustível ainda é incipiente no país, e a forma de exportá-lo, um desafio a ser vencido. Trata-se de um gás inflamável, cujo transporte é caro e perigoso.
Há iniciativas isoladas no setor privado e alguns estados começam a criar regras para estimular a produção. No Nordeste, que tem incidência de sol e vento abundante e fica geograficamente mais perto da Europa, o que facilitaria a exportação, aumenta a movimentação para fabricar H2V.
Em 2022, o grupo português EDP produziu a primeira molécula de H2V no Brasil, no Porto de Pecém, no Ceará, como resultado de uma pesquisa tecnológica de R$ 42 milhões. A Unigel, gigante química que é a principal fabricante de fertilizantes nitrogenados do país, investe US$ 120 milhões (R$ 633,5 milhões) numa fábrica no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, para produzir H2V em escala industrial. Vai usar tecnologia da alemã Thyssenkrupp Nucera.
Um estudo da consultoria McKinsey apontou que, até 2040, a produção de H2V poderá agregar R$ 62 bilhões ao PIB do estado e gerar 41 mil novos empregos. O governo de Goiás criou neste ano a Política Estadual do Hidrogênio Verde para incentivar seu uso no transporte público e na produção de fertilizantes.
— São iniciativas ainda pequenas. O Brasil está na incubadeira em se tratando de H2V. Precisa desenvolver base tecnológica, mão de obra, fazer planejamento energético e ter um arcabouço legal. Mas o país tem potencial de exportar o hidrogênio que produzir aqui — diz Ofélia Araújo, pesquisadora do Programa de Engenharia Ambiental da UFRJ.
O consumo de hidrogênio verde deve passar dos atuais 90 milhões de toneladas/ano para 527 milhões a partir de 2050, confirmadas as previsões de seu uso em veículos, aeronaves, propulsão para embarcações, geração de energia elétrica e aquecimento das casas, num mercado estimado em mais de US$ 1 trilhão (R$ 5,3 trilhões) em venda direta da molécula ou derivados.
Mercado europeu
A Europa é a principal interessada no H2V brasileiro, mostra o estudo da Roland Berger, particularmente a Alemanha. Ofélia lembra que, para os alemães, é uma questão geopolítica procurar abastecimento estável de H2V. Não à toa, o Brasil foi visitado pelo primeiro-ministro Olaf Scholz e outras autoridades alemãs neste ano.
Por aqui, o governo alemão lançou a iniciativa H2Brasil, junto ao Ministério das Minas e Energia, para apoiar inovações na cadeia de H2V. Destinou € 34 milhões (R$ 193,5 milhões) para essas iniciativas. Cientistas e empresas alemães com experiência nesse mercado também colaboraram com o governo brasileiro para elaboração do plano brasileiro de hidrogênio verde.
O grupo Neuman & Esser anunciou R$ 70 milhões para expandir seu parque industrial em Belo Horizonte e construir a primeira fábrica de geradores de hidrogênio verde na América do Sul. O mesmo grupo já tinha comprado a Hytron, em 2020, uma empresa que nasceu de um grupo de estudantes do Laboratório de Hidrogênio da Unicamp. A Hytron desenvolveu um equipamento que faz a eletrólise (processo usado na indústria para isolar determinada substância) movido a energia solar.
Ecossistema no Ceará
Luiz Rubião, sócio da consultoria Deloitte que integra um grupo que acompanha o tema descarbonização, incluindo o uso do hidrogênio verde, lembra que o Banco Mundial lançou um edital recente para interessados em produzir H2V no Porto de Pecém. A ideia é que os interessados usem a infraestrutura do porto. Ali, lembra Rubião, já existe um ecossistema com logística, energia limpa e, geograficamente, fica mais fácil exportar para a Europa.
O Ministério das Minas e Energia (MME) fez, no governo passado, um plano para estimular o H2V, mas sem metas ou prazos definidos para produzir. O governo Lula ainda não apresentou um plano específico, mas seus integrantes têm mencionado o potencial da nova tecnologia. Segundo a atual gestão do MME, mais de US$ 20 bilhões (R$ 105,6 bilhões) já foram anunciados em projetos de H2V no Brasil.
Fonte: O Globo