Pesquisadores da Coreia do Sul desenvolveram bactérias capazes de sintetizar um tipo de plástico semelhante ao nylon e que poderá um dia ser usado na produção de roupas, sapatos e até redes de pesca, com a vantagem de não ser feito de petróleo e de ser biodegradável. A inovação foi descrita na revista Nature Chemical Biology, e apesenta bactérias capazes de produzir um polímero chamado poliesteramida (PEA).
Bactérias têm uma má fama indevida. Em geral, imagina-se que qualquer bactéria é sinônimo de doença, epidemia, resistência a antibióticos. Mas apenas uma pequena parte das espécies bacterianas conhecidas causa doenças. Estimativas variam em torno de 5%. A grande maioria das bactérias são de vida livre (não precisam parasitar ninguém) ou vivem em simbiose com outros organismos, muitas vezes trazendo vantagens, como as bactérias presentes no corpo humano, que se equiparam em número à quantidade de células e participam de processos metabólicos importantes, além de produzir compostos essenciais, como vitaminas.
Em biotecnologia, as aplicações são inúmeras. Bactérias estão envolvidas em processos que vão desde a produção de alimentos fermentados como queijos e iogurtes até medicamentos, como insulina e vacinas. Pesquisas com bactérias resultaram na descoberta de ferramentas para edição de genoma como CRISPR. Na biotecnologia, bactérias geneticamente modificadas trazem uma série de vantagens, já que substituem processos naturais caros e não sustentáveis. Quando começamos a usar bactérias para produzir renina, uma proteína essencial para coalhar o leite e fazer queijo, deixamos de usar renina extraída do estômago de bezerros. Da mesma forma, quando foi possível usar bactérias para produzir insulina humana, deixou-se de usar insulina extraída de porcos e vacas.
Usar bactérias para produzir plástico resolve um problema global. Os autores do estudo apontam que a produção de plástico em 2022 foi de aproximadamente 400 milhões de toneladas. Atualmente, a produção depende de processamento químico a partir de petróleo, agravando a crise climática. Alternativas sustentáveis ao petróleo são muito bem-vindas. Os pesquisadores aproveitaram a capacidade de muitas bactérias de naturalmente produzir longas moléculas feitas de unidades repetidas – polímeros – em tempos de escassez. Plásticos são polímeros.
Quando existe fonte de carbono abundante, mas faltam outros nutrientes essenciais, algumas espécies bacterianas produzem e armazenam carbono em forma de polímeros como o PHA, um tipo de poliéster que degrada no ambiente.
A ideia foi copiar a estratégia para produzir o PEA, um tipo de poliéster com propriedades mecânicas e térmicas comparáveis às do polietileno, um plástico comum, gerando uma alternativa de produção com fonte renovável, já que as bactérias usam glicose como fonte de carbono: transforma açúcar em plástico. Os cientistas fizeram isso modificando geneticamente a bactéria Escherichia coli, geralmente usada como modelo em laboratório.
O processo deu certo, mas ainda há vários obstáculos antes da aplicação comercial. O primeiro é ganhar escala. Além disso, o polímero não passa pela parede celular da bactéria, então é necessário esmagar os microrganismos para liberá-lo, o que gera a necessidade de adicionar um processo de purificação. E, finalmente, o preço. No momento, ainda fica mais caro fazer plástico de bactéria do que de petróleo. Mas ênfase no “ainda”. Processos biotecnológicos costumam baratear com o tempo. Isto aconteceu com sequenciamento de DNA e modificação genética, por exemplo.
O que foi publicado é uma prova de conceito. É possível fazer um plástico biodegradável, semelhante ao nylon, usando bactérias geneticamente modificadas, com energia renovável. E isto é uma ótima notícia!
Fonte: O Globo