Sob o mote “Valorização do trabalho”, encontro promovido pela Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) na manhã de quarta-feira (18/6), na sede do SEESP, na Capital, reuniu quatro ex-ministros do Trabalho – todos que ocuparam o cargo desde 1963 foram convidados, independentemente do governo. A iniciativa serviu de alerta à condução das políticas públicas no âmbito das relações capital-trabalho, após a extinção do Ministério do Trabalho mediante medida provisória de 1º de janeiro último (MPV 870/2019) que estabeleceu a organização administrativa sob Governo Bolsonaro. As atribuições da pasta foram distribuídas entre os Ministérios da Economia, Justiça e Segurança Pública, Cidadania e Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Segundo os participantes, estão sendo distorcidas ou simplesmente esquecidas, o que pode culminar em retrocessos para além dos que vêm sendo verificados nas relações do trabalho nos últimos tempos. Estiveram presentes Antonio Rogério Magri, Luiz Marinho, Carlos Lupi e Miguel Rossetto. Os ministros Almino Afonso, Jaques Wagner e Almir Pazzianotto, que haviam confirmado, tiveram imprevistos. Os dois últimos enviaram notas públicas saudando a atividade.
O presidente do Senge-SC, José Carlos Rauen, e o diretor financeiro Carlos Bastos Abraham, também diretor da FNE, particaram do evento.
À abertura, o consultor sindical João Guilherme Vargas Netto ajustou o tom do debate: “Embora cada um deles tenha sido ministro de um governo diferente, o conjunto da mesa é posição do Estado. É a defesa que fazemos da continuidade das políticas que o Ministério do Trabalho encarnou ao longo de sua trajetória, é a defesa de uma política de Estado. É como se os quatro que estão aqui encarnassem a vocação do Estado brasileiro que está sendo destruída atualmente. Esta reunião é um alerta sobre isso, uma tomada de posição firme de contrariar essa tendência, sem golpismo, sem situação mágica, nada que signifique violação daquilo que nos deve ser essencial: a Carta de 1988, os direitos dos trabalhadores, os direitos humanos, o meio ambiente, o futuro de nossa sociedade e, sobretudo, o emprego.”
Entre os ataques a direitos, Antonio Magri, que é encanador por profissão, destacou a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), que, entre outros pontos, enfraqueceu a organização e representação dos trabalhadores. Observou ainda que nova tentativa de retirada de direitos está em curso com a proposta de reforma da Previdência. Segundo relatou, quando era ministro do Governo Fernando Collor, ele foi conhecer de perto o sistema de capitalização no Chile, ainda uma novidade, há 30 anos. “No Chile, hoje, vai ver o que eles têm: só 60% do que se capitalizou, e quem pôde capitalizar. Essa reforma da Previdência é cruel. O Chile hoje está voltando ao que tinha antes. A Bolívia, que foi o país que mais cresceu nos últimos dez anos, reestatizou a Previdência, onde se aposenta com menos tempo de trabalho e a mulher é mais privilegiada.”
O sociólogo Miguel Rossetto, que foi ministro do Governo Dilma, abordou pontos que ele classificou como centrais. Primeiro, a perspectiva histórica, anunciando “os sinais dos tempos, que são graves”. Ele fez digressão desde a criação da Pasta em 1930, por Lindolfo Collor, até o agora fim do Ministério, o que criticou duramente. Como citou, a recuperação do valor do trabalho organiza e dá sentido à vida republicana, na construção da riqueza nacional. “É o trabalho que constrói uma nação, como a brasileira. A partir da desvalorização dessa ideia, autoriza-se o padrão de ampliação de desregulamentação, de exploração bruta do capital.” Outros temas apontados por ele foram a retomada do debate em torno de um projeto nacional, reconstruindo os valores de uma nação; e a venda da Embraer ao capital estrangeiro: “A entrega desse patrimônio tecnológico, com a venda dessa empresa para a Boing, é um crime lesa-pátria. São mais de 4 mil engenheiros qualificados, uma empresa de ponta na área de aviação, que migrava para a área de satélites e tecnologias de informação, destruída de forma vil.”
Carlos Lupi, presidente do PDT e ministro nos governos Lula e Dilma, lembrou que foi Getúlio Vargas quem idealizou a legenda: “Isso foi tão forte na cabeça de Vargas que a partir da criação do Ministério do Trabalho, ele criou o movimento trabalhista que depois veio a ser o Partido Trabalhista Brasileiro, e na ditadura criamos o PDT”, recordou. Lupi mencionou a forma como o capitalismo vem se reorganizando, a partir da especulação financeira, que, segundo ele, toma conta da humanidade. Na sua concepção, há uma tendência liberal conservadora em todo o mundo que “está varrendo da mentalidade humana o espírito de solidariedade, de companheirismo, de que um homem vale mais pelo que é, não pelo que tem”. Para este ex-ministro, no Brasil a tendência é identificada a partir do reposicionamento legal de que o negociado vale mais que o legislado.
“Nem a ditadura militar, que foi cruel, dura e sanguinária, teve coragem de acabar com o Ministério do Trabalho. E não é por acaso. E aí quero focar naquilo que no sistema capitalista é o principal, que é o dinheiro. Eles pegaram os dois maiores fundos existentes da América Latina, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT ) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), geridos por conselho tripartite, com a participação de trabalhador, empregador e governo, e colocam esses quase RS$ 800 bilhões dos fundos no Ministério da Economia. Mera coincidência”, ironizou. “E ninguém fala sobre isso”, lamentou.
Luiz Marinho, que liderou o órgão no Governo Lula, alertou para o que ainda está por vir: “Podemos falar que a evolução deste governo atual, com o fim do Ministério do Trabalho, assim como o fim do Ministério da Previdência [em 2016] no Governo Temer, poderá significar o fim da Fundacentro, do Ministério Público do Trabalho, da Justiça Trabalhista, até porque muita gente diz que Justiça do Trabalho é uma jabuticaba, só tem no Brasil. Então, pode vir uma evolução do desmonte das relações do trabalho”, salientou.
Ao final, o presidente da FNE, Murilo Pinheiro – que também está à frente do SEESP -, agradeceu a presença de todos e lembrou que o encontro alcançou sua finalidade, de “pensar a valorização do trabalho, a dignidade do trabalhador e na forma como queremos o País: forte, transparente e com muito vigor”.
Ele incentivou a realização de mais debates, bem como a união das entidades e personalidades para enfrentar as divergências atuais no mundo do trabalho. “Acredito que é o melhor caminho para discutirmos e buscarmos soluções. Vamos juntos. A luta é nossa e precisamos trabalhar nessa direção”, concluiu.
Também integraram a mesa o coordenador da consultoria técnica do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, Carlos Monte; o presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo (Sindecon-SP), Pedro Afonso, representando a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU); a presidente do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Ceará (Senge-CE), Teodora Ximenes, representando as 18 entidades filiadas à federação; e a coordenadora do Núcleo Jovem Engenheiro da FNE, Marcellie Dessimoni.