Após adiamento de 24 horas, segundo assessores para ajustar detalhes no parecer, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) vai divulgar o relatório sobre a Medida Provisória 868/2018. O texto guarda expectativa de governos estaduais e investidores sobre as mudanças que o relator deverá fazer à proposta que altera o marco regulatório do saneamento básico no país.
A MP está em análise na comissão mista, instalada no Congresso no início desta legislatura, e tem de ser aprovada pela Câmara e pelo Senado até o dia 3 de junho, caso contrário perderá vigência. A previsão é que as alterações regulatórias possam gerar R$ 170 bilhões em investimentos no setor.
Além de atribuir à Agência Nacional de Águas (ANA) competência para editar normas sobre o serviço de saneamento, a MP também determina que os contratos estatais de saneamento passarão a ser estabelecidos por processo licitatório com chamamento público “para verificar o interesse dos entes federativos, em regime isolado ou consorciado, em realizar concessões e parcerias público-privadas”. Antes da medida, a licitação poderia ser dispensada caso o contrato fosse firmado com uma empresa pública.
No geral, partidos considerados de esquerda resistem à ideia de entregar à iniciativa privada o serviço de distribuição de água e saneamento no país, enquanto as legendas mais à direita acreditam que contratos com empresas podem ampliar o serviço no Brasil, precário em muitas regiões.
O governo propôs ao relator mudanças no texto para tentar chegar a um consenso com partidos menos radicais ou, ao menos, garantir o voto favorável dos deputados do chamado centrão.
Em audiência pública na comissão mista na última semana, o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, defendeu que o texto deve ser aperfeiçoado a fim de melhorar a redação da norma e também a negociação com parlamentares.
Canuto disse, por exemplo, que é preciso ter cautela em relação ao artigo 10-C da MP, que obriga municípios a fazerem chamamento público imediato, retirando das cidades a opção de firmar contrato com uma empresa pública sem a realização de uma licitação.
O ministro também argumentou que a medida deve prever a possibilidade de cidades se agruparem, via consórcio ou convênios de cooperação, para contratarem o serviço, com regras claras sobre como seria sua prestação. Esta sugestão é vista como uma solução para que municípios pequenos, que não seriam lucrativos às empresas privadas, não saiam prejudicados.
“Importante é definir quem seria o responsável por essa gestão associada. E estabelecer com isso o subsídio cruzado, fixar como os recursos serão investidos dentro dessa gestão. Precisam ter regras transparentes para evitar que os mais pobres de uma região rica subsidiem os mais ricos de um município pobre”, disse.
O subsídio cruzado é a forma como funciona o serviço de saneamento em vários lugares do Brasil. Em resumo, governos estaduais usam o lucro que ganham em cidades maiores, como as capitais, para fazer investimentos em cidades pequenas, que geram prejuízo. Assim, os municípios mais pobres não ficam desassistidos.
Por outro lado, o ministro defendeu a manutenção de um dos pontos principais do texto. Canuto é favorável a determinar que a Agência Nacional de Águas (ANA) passe a regular os serviços públicos de saneamento básico no país, estabelecendo índices como padrões de qualidade, eficiência e regulação tarifária, o que atualmente, na maioria das vezes, é feito pelos municípios.
Assim como o ministro, o presidente da comissão, deputado Evair de Mello (PP-ES), também defende que o relator faça mudanças no texto a fim de buscar um consenso com os partidos.
“Tem de haver uma transição em relação à obrigatoriedade de as cidades fazerem os chamamentos públicos. A questão de os municípios poderem formar um consórcio também é importante. Temos que encontrar um meio-termo que seja benéfico para os municípios e também para conseguirmos aprovar o relatório”, afirma.
Os últimos acontecimentos mostram que a busca pelo meio-termo é difícil. Tasso havia programado a apresentação do parecer na reunião da comissão especial marcada para a tarde da última quarta-feira (24/4). No mesmo dia, foi adiada para a manhã de quinta. Nesse meio tempo, uma manobra foi feita para garantir ao menos um passo além na tramitação do projeto.
A reunião que havia sido adiada acabou sendo aberta pelo presidente da comissão na tentativa de construir um acordo para o período de vista que seria concedido aos parlamentares. Esse prazo pode chegar a cinco sessões, mas havia a inclinação governista de negociar um prazo de poucas horas na tentativa de aprovar o parecer e enviá-lo logo para a Câmara. No entanto, não houve acordo com a oposição para abreviar esse tempo e, além disso, os partidos contrários ao governo já manifestaram a intenção de obstruir o quanto puder.
Entre as emendas que a oposição cobra do relator estão a que retira a obrigatoriedade de os municípios fazerem licitação própria, o que deixaria em situação confortável as companhias estaduais; e a que obriga as companhias estaduais, quando houver leilão, a realizá-los por lotes equilibrados do ponto de vista da atratividade econômica para que municípios superavitários sejam reunidos a deficitários. Nas palavras de um líder, “quem levar a carne, que roa o osso”.
Aprovado na comissão, o texto segue para o plenário da Câmara, onde, até a noite de quarta-feira, havia outra MP trancando a pauta de votações. Como o feriado do Dia do Trabalhador deve esvaziar o Congresso, a votação do relatório não deverá ocorrer antes da segunda semana de maio. Se aprovada na Câmara, a MP segue para o plenário do Senado. Se o Senado alterar o texto aprovado na Câmara, a MP segue para nova votação dos deputados, que darão a palavra final sobre o texto. A MP perde a validade no dia 3 de junho.
Fonte: Jota