Dentre os principais economistas ligados às campanhas presidenciais é quase consenso que o Brasil precisa de uma rede de infraestrutura moderna, confiável e sustentável. Mais do que isso, precisa de investimentos em transporte, saneamento, fornecimento de água potável e transmissão de energia. Esse conjunto resulta em melhorias na saúde, em criação de empregos e em ganho de produtividade num momento crítico para a economia brasileira.
Apesar de concordarem com esse discurso, em maior ou menor grau, os candidatos e suas equipes apresentaram, em sua maioria, propostas genéricas nos programas de governo. Nas últimas semanas, o JOTA procurou as campanhas na tentativa de elucidar o cenário de investimentos no setor. As declarações serão publicadas em uma série de três matérias, a partir desta quinta-feira (4/10), que trarão a íntegra das respostas dos candidatos a cinco questões que envolvem a independência das agências reguladoras e a percepção de quais setores da infraestrutura merecem mais atenção dos governantes.
A ordem de publicação segue a colocação dos candidatos na disputa presidencial de acordo com o agregador de pesquisas eleitorais do JOTA, que reúne números do Datafolha, Ibope, MDA, Poder 360, BTG/FSB, Sensus e Ipespe/XP.
Os economistas ligados a Jair Bolsonaro, líder nas pesquisas, veem o Estado como ineficiente na produção de bens e serviços e, portanto, o setor privado, bem regulado e com boas agências, deve suprir essas necessidades de uma forma mais efetiva.
A candidatura do PT respondeu aos questionamentos antes da troca de Luís Inácio Lula da Silva por Fernando Haddad. Por este motivo, as respostas serão atribuídas a Haddad, que destaca o papel das agências reguladoras na atuação em serviços públicos de pouca concorrência e as enxerga como instrumentos tanto de defesa dos consumidores quanto de manutenção da viabilidade econômica dos negócios e de retorno do investidor privado.
A campanha de Ciro Gomes, por sua vez, aponta o desvirtuamento do modelo regulatório, pois entende que boa parte das atribuições dos ministérios foram repassadas às agências. Em sua opinião, os ofertantes que deveriam ser regulados acabaram por controlar as atividades das agências.
Geraldo Alckmin defende que essas autarquias tenham independência e orçamento suficiente para contratar estudos e pareceres de terceiros, além de serem agentes importantes na criação de um ambiente econômico saudável e de confiança para investidores.
Marina Silva e assessores entendem que as agências precisam de mais transparência e menor influência política e, para isso, defendem aprimoramentos no projeto da lei geral das agências, em trâmite no Congresso.
A pedido do JOTA, as campanhas também elencaram uma sequência de prioridades na infraestrutura. Bolsonaro, Ciro, Marina e Alckmin concordam que a maior urgência do setor é o investimento em saneamento, seguido de transportes, energia e telecomunicações. Somente a campanha do PT apresentou uma urgência distinta: energia em primeiro, seguida de transportes, saneamento e telecomunicações.
1) Qual sua posição sobre o funcionamento das agências reguladoras?
Jair Bolsonaro
A boa ciência econômica ensina que quando o mercado de um bem ou serviço é competitivo, isto é, tem muitos compradores e vendedores (e satisfazem mais uns detalhes que alongaria muito este texto), ele funciona tal que o preço de mercado e a quantidade transacionada são os melhores, isto é, geram o máximo bem-estar para os participantes no mercado. Diversos setores da economia, geralmente da infraestrutura, como, por exemplo, energia elétrica, telecomunicações, petróleo, transportes, portos e aeroportos, se caracterizam por serem mercados não competitivos. Os mercados de infraestrutura citados têm um ou poucos vendedores. Nesse caso o vendedor ou vendedores podem extrair lucros extraordinários elevando demasiadamente o preço, causando perda de bem-estar. Aí tem dois remédios: ou o bem ou serviço é vendido pelo Estado ou vendido por empresa ou empresas privadas, mas com preço e/ou quantidade regulados pelo Estado.
A primeira solução o Brasil tentou e falhou miseravelmente, pois a corrupção e a ineficiência geraram grandes perdas de bem-estar. A segunda solução é justamente a regulação econômica. Mas para a regulação econômica funcionar bem ela deve ser feita por órgão independente do executivo e com visão de longo- prazo. É isto que uma agência faz, ou deve fazer. Resumindo, como o Estado é muito ineficiente na produção e venda de bens e serviços que podem ser oferecidos pelo setor privado, os mercados dos bens e serviços onde a competição é insuficiente devem ser regulados por uma agência reguladora. Este é o caso de energia elétrica, telecomunicações, petróleo e gás, transportes, saneamento. Outros mercados são regulados por outras razões, mas me alongaria muito se fosse explicá-las.
Fernando Haddad
Entendemos que é absolutamente necessário regular e fiscalizar a atividade privada nos mais diversos setores de serviços públicos e de pouca concorrência na economia. Acreditamos que para isso as agências reguladoras cumprem um papel importante. Agências reguladoras são instrumentos tanto de defesa dos interesses dos consumidores, do interesse público e dos usuários, para que os consumidores obtenham serviços com qualidade e modicidade tarifária, quanto para manter a viabilidade econômica do negócio e o retorno do investimento privado.
O Plano de Governo defende, no capítulo referente à Reforma do Estado, que a relação entre os interesses públicos e privados deve se pautar pela mais absoluta transparência. Afirma que as leis e procedimentos serão aperfeiçoados para garantir a transparência e o combate à corrupção cada vez maiores, bem como aprimorar os mecanismos de gestão e as boas práticas regulatórias dos órgãos públicos. Alerta, ao mesmo tempo, que há um risco de que as agências sejam capturadas e controladas pelo mercado, por isso devemos avançar no aprimoramento e aperfeiçoamento dos mecanismos de regulação, transparência e controle social. Em outras palavras, as agências reguladoras devem ter composição plural e supervisão da sociedade para evitar sua captura por qualquer tipo de interesse particular.
Ciro Gomes
O conceito original das agências reguladoras é muito importante em um modelo de gestão pública. Neste modelo, a formulação de políticas permaneceria nos ministérios e a regulação da atividade dos ofertantes dos serviços, no tocante à quantidade, alcance, preço e qualidade, ficaria a cargo da agência. Porém, ao longo do tempo esse modelo foi desvirtuado. Primeiro porque uma boa parte das atribuições dos ministérios foi repassada às agências, de modo a reorientar suas atividades. Segundo porque os ofertantes, que deveriam ser regulados, passaram a controlar boa parte das atividades das agências. E terceiro porque tanto elas como os respectivos ministérios que deveriam ser seus supervisores foram esvaziados ao longo de anos, facilitando ainda mais a influência dos ofertantes sobre as suas ações. Mas, de toda forma, o modelo em si é importante, e devemos tentar recuperá-lo.
Geraldo Alckmin
Somos a favor da independência das agências reguladoras. Mas elas precisam ser despolitizadas e dotadas de capacitação técnica especializada. Devem ter orçamento suficiente para contratar estudos e pareceres de terceiros para fundamentar as suas decisões.
Marina Silva
Somos a favor, pois as agências reguladoras são de extrema importância para toda nação que quer garantir equilíbrio entre a gestão dos ativos de infraestrutura, saúde, entre tantos outros setores. A existência de agências reguladoras garante a simetria ou regras justas para partes que, a princípio, tem propósitos distintos. Por exemplo, uma agência reguladora de transportes é necessária para garantir a qualidade dos serviços prestados por uma concessionária e, ao mesmo tempo, acompanhar, modificar, modelar, propor reequilíbrios em contratos de concessão ao longo dos anos. Países com democracia consolidada como da América do Norte e Europa adotam o conceito de agências reguladoras a dezenas de anos. Em última instância, as agências existem para garantir que os usuários dos serviços, e a sociedade como um todo, principalmente seus cidadãos, recebam as garantias a que têm direito constitucional. Com isso, equilibra-se o lucro com o retorno de serviços de qualidade, com políticas éticas que contribuem para que o serviço não chega aos cidadãos de forma abusiva em preços e tarifas.
2) De 1 a 4, qual o grau de prioridade que seu governo dedicará a cada um dos setores de infraestrutura listados?
Jair Bolsonaro
(3) Energia
(1) Saneamento
(4) Telecomunicações
(2) Transporte
Fernando Haddad
(1) Energia
(3) Saneamento
(4) Telecomunicações
(2) Transporte
Ciro Gomes
(3) Energia
(1) Saneamento
(4) Telecomunicações
(2) Transporte
Geraldo Alckmin
(3) Energia
(1) Saneamento
(4) Telecomunicações
(2) Transporte
Marina Silva
(3) Energia
(1) Saneamento
(4) Telecomunicações
(2) Transporte
3) Como vê o projeto de Lei Geral das Agências Reguladoras, em tramitação no Congresso? Como seu eventual governo vai se relacionar com o Congresso a respeito dessa iniciativa?
Jair Bolsonaro
As agências reguladoras no Brasil funcionam muito aquém do que deveria. Diversas razões levam a isso: indicações de dirigentes de forma inadequada, com diretores sem o conhecimento adequado para suas altas responsabilidades, falta de independência do executivo, o que compromete a estabilidade das regras, muito importantes para os setores de infraestrutura. O referido Projeto de Lei vem melhorar estas questões, passando a exigir que os dirigentes das agências sejam qualificados, e retira a aprovação do orçamento da agência da mão do ministério da área da agência para o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. A lei também uniformiza a relação das agências com outros órgãos do governo. Por exemplo, a relação das agências com o CADE, o órgão responsável pela defesa da concorrência atualmente difere entre as agências, com algumas ficando com mais responsabilidades que outras com relação à defesa da concorrência. A lei não resolve todos os problemas, mas é um importante avanço comparado à situação atual.
Fernando Haddad
Em 2004, o ex-presidente Lula encaminhou ao Congresso o PL 3337/2004, que dispunha sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras. Isso demonstra a preocupação do PT, desde seu primeiro governo, em aprimorar o funcionamento dos órgãos reguladores. O PL n° 6621/2016 incorpora vários partes do PL 3337/2004. É importante aperfeiçoar a legislação das agências reguladoras, definindo melhor as atribuições, o processo de controle e a forma de interação com outros órgãos. É preciso aperfeiçoar o processo normativo regulatório e sua aplicação, criando regras claras internas e de comunicação externa, dando maior publicidade aos atos normativos e maior participação social por meio de consulta pública. É preciso ademais criar regras mais claras e rígidas para a nomeação de diretores.
Ciro Gomes
O PL em tramitação avança em vários pontos importantes. Evolui em pontos chave como padronização da governança de agências criadas em períodos distintos, introduz mecanismos para maior independência orçamentária, fortalecimento institucional, capacitação de técnicos, redução da vacância de diretorias e maior rigor na seleção de candidatos a diretores e proteção jurídica ao corpo técnico. É imperativo que as agências não sofram influência em suas decisões técnicas, de modo a serem independentes das pressões políticas e econômicas que visam beneficiar ofertantes e prejudicar consumidores. Estas serão as bases que irão balizar o relacionamento do governo com o Congresso sobre o tema.
Geraldo Alckmin
O projeto caminha na direção certa mas pode ser aperfeiçoado.
Marina Silva
Somos a favor dos aprimoramentos previstos no PL 6621/2016, pelos seguintes motivos: 1) fortalece as agências na missão de atender ao interesse público; 2) aprimora os processos de decisão, estabelecendo a decisão colegiada e garante transparência nos processos decisórios, reduzindo as influências políticas e garantindo que as decisões tenham caráter mais técnico; 3) aprimora os procedimentos de prestação de contas e também e de governança das agências. Isso é muito importante para balizar o controle na matriz de responsabilidades nos três poderes. Apoiaremos o PL, mas apresentaremos aprimoramentos, especialmente para garantir que a composição das diretorias das agências seja definida por critérios de capacidade técnica histórica declarada e reconhecida, selecionados por processo de seleção por competência, sem indicações e interferências políticas.
4) Em termos gerais, qual o principal problema do país hoje?
Jair Bolsonaro
O principal problema hoje é a segurança em amplo sentido. A segurança contra o descontrole da criminalidade tem claramente destaque. Mas a segurança jurídica mais ampla também é um dos principais entraves, pois o direito de propriedade é muito relativizado desde nossa constituição, que coloca que a propriedade deve satisfazer sua “função social”, um conceito bastante vago e que tem estimulado toda sorte de violações do direito de propriedades, inclusive invasões. Quebras de contratos, decisões imprevisíveis de juízes, entram no rol da falta de segurança. Relacionado com esse tema é a corrupção como forma de segurança do patrimônio público, dilapidado por alguns controladores de posições chave no governo. Estamos num momento grave da luta contra a corrupção: por um lado, a Lava Jato tem feito grandes avanços, punindo os mais poderosos homens do país e mostrando que, finalmente, a lei chegou para todos. Por outro lado, os interesses contrariados pelo combate à corrupção está organizando uma reação buscando neutralizar, se não destruir, a Lava Jato. Bolsonaro é o único candidato com integridade, independência, sem compromisso com nenhum partido, grupo político, sindicato, ou movimento social. Não tem compromisso com nenhum dos grupos hoje incrustados no governo, e tem a coragem necessária para enfrentar os poderosos interesses contrariados.
Fernando Haddad
O principal problema é o desemprego, que humilha o povo e gera de desesperança nos brasileiros. O ex-presidente Lula e o PT geraram mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada. Nos seis primeiros meses do próximo mandato, vamos implementar o Plano Emergencial de Empregos, visando elevar a renda, ampliar o crédito e gerar novas oportunidades de trabalho. A grande prioridade será a juventude. O plano prevê a revogação da Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos, e a retomada dos investimentos públicos. Entre as ações do Plano destacam-se: a retomada das 2.800 grande obras paradas, a aceleração do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), a retomada dos investimentos da Petrobras; a garantia do Bolsa Família para aqueles que voltaram à pobreza com o golpe; a valorização do salário mínimo; implantação do programa nacional de apoio às atividades da economia social e solidária; e a criação de uma linda crédito para devolver ao mercado de crédito que está com o nome sujo junto ao SPC e Serasa. Além disso, o governo Lula adotará medidas fiscais e regulatórias para reduzir o “spread” bancário e diminuir o custo do crédito para quem quer produzir e consumir no Brasil.
Ciro Gomes
O grande problema é a crise pela qual passamos, que jogou milhões de pessoas no desemprego e no endividamento e ampliou as desigualdades. Vamos resolver os problemas que geraram essa situação, corrigindo os erros de política econômica, criando condições para a retomada do crescimento e do emprego e para a renegociação das dívidas das pessoas. Vamos retomar o protagonismo do setor produtivo e unir quem trabalha e quem produz neste país.
Geraldo Alckmin
A prioridade número um é criar empregos, e isso está diretamente ligado à capacidade que o Brasil terá de atrair investimentos, em especial na área de infraestrutura, que sabidamente cria muitos postos de trabalho diretos e indiretos. Também por isso ressaltamos a importância de agências reguladoras independentes e robustas.
Marina Silva
A campanha não tem apenas uma prioridade. O foco do governo será reconstruir o significado da política, com um espaço de diálogo e de construção coletiva com as pessoas. Uma construção que vença a desigualdade, abra caminhos para oportunidades para todos os brasileiros e promova a inclusão social produtiva.
Fonte: Jota