Por muito tempo escolhemos dar ouvidos a eles, e eles se aproveitaram disso
O assunto da mudança climática (aquecimento global) e sua conexão com o desmatamento da Amazônia me encontrou ali por 1988. O ano em que as queimadas se tornaram questão mundial e em que Chico Mendes foi assassinado.
Não parei mais de escrever sobre isso.
Às vezes dá vontade de parar. Ninguém está escutando, ou só os suspeitos de sempre. Seria fácil recorrer à autocongratulação: “Está vendo agora? Não foi por falta de aviso”.
Levaria a nada, de novo. As pessoas, ainda a maior parte delas, não querem ou não conseguem ouvir. Parece mais produtivo investigar por quê.
O escritor Nathaniel Rich, em longo artigo para a revista do jornal The New York Times, pôs a culpa na natureza humana.
Outros diriam, como virou moda fazer: assim funciona o cérebro humano, como revela o evangelho da neurociência. Ele privilegia a satisfação imediata de necessidades e desconta em demasia benefícios futuros provenientes de renúncias no presente.
Aquele experimento das crianças a escolher entre um marshmellow agora ou dois daqui a pouco, blá-blá-blá.
É tentador afirmar que o cérebro humano também adora explicações simples (em geral erradas) para problemas complexos. Após 18 meses dedicados a investigar a inação mundial diante do aquecimento, Rich concluiu que, contra todas as evidências científicas, optamos pelo autoengano.
“Na década que foi de 1979 a 1989, tivemos uma excelente oportunidade de resolver a crise do clima”, escreveu. “Os obstáculos que culpamos pela inação no presente ainda estavam por emergir. Não havia quase nada em nosso caminho –nada a não ser nós mesmos.”
Rich tomou pancada de todos os quadrantes ambientalistas. Seu interminável ensaio histórico, acusam, minimizou a campanha orquestrada pela indústria dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural) com os “céticos” do clima ao lançar a responsabilidade na conta da natureza humana –vale dizer, na de todos nós.
Quem quiser entender o quanto há de errado com essa explicação de Rich deve ler o livro de Naomi Oreskes e Erik Conway intitulado Mercadores da Dúvida. Quase oito anos atrás escrevi sobre eles no caderno Ilustríssima.
Romancista, Rich deve ter sucumbido à necessidade de encontrar razões morais para as tragédias humanas. E, por simplório que seja o recurso às limitações do cérebro humano, ele tem em parte razão.
Mais que uma década de evidências científicas, a de 1979-89, foram três, ou quatro. Não bastou para as pessoas –políticos, industriais, jornalistas, diplomatas, consumidores, ruralistas– se darem conta da necessidade de investir em fontes alternativas de energia, hoje, para garantir relativa estabilidade do clima, amanhã.
Pouco avançou a negociação internacional para limitar emissões de gases do efeito estufa deslanchada no Rio em 1992, com a Convenção do Clima. O máximo alcançado foi o pífio Acordo de Paris (2015), com metas de redução voluntárias –e que de resto não estão sendo e não terminarão cumpridas.
A temperatura média da atmosfera já subiu 1°C e vai passar dos 2°C considerados menos arriscados. Quem ainda duvida que contemple os estragos e mortes nos incêndios na Grécia, em Portugal, na Califórnia.
O silêncio dos céticos está ensurdecedor. Por muito tempo escolhemos lhes dar ouvidos, por razões ideológicas ou puro interesse, e eles se aproveitaram bem dessas fraquezas.
Todos temos culpa, é verdade, mas cabe aos céticos, agora, retomar a palavra para o devido pedido de desculpas. Seria esperar demais, sendo a natureza humana o que ela é.
Marcelo Leite
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência – Use com Cuidado”.
Fonte: Folha SP