A Lei 13.467/2017, que promoveu inúmeras alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), está em vigor há três meses e já apresenta seus malefícios, que não serão sanados pela Medida Provisória 808 ainda em tramitação, cujo objetivo seria corrigir os excessos do texto aprovado no Congresso e promulgado pela Presidência da República.
A avaliação é do presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Guimarães Feliciano. A entidade, que teve participação ativa ainda na tramitação da reforma, foi provedora dos 125 enunciados sobre a interpretação da lei, aprovados em encontro nacional, que reuniu mais de 600 juízes do Brasil e demais profissionais ligados ao exercício do Direito, em outubro último. “Estamos fazendo o trabalho de esclarecimento e enfrentamento”, afirma Feliciano. Com a Justiça e direitos dos trabalhadores atingidos, ele alerta, também a democracia é afetada.
Quais são os pontos ainda problemáticos da lei mesmo após a MP 808?
A MP resolveu parcialmente, por exemplo, a questão da jornada 12h por 36h, que pela Constituição jamais poderia ser negociada individualmente. A MP alterou o texto original, mas ressalvou o segmento de hospitais e áreas semelhantes. Estes poderão negociar individualmente, o que é inconstitucional. A medida também alterou as negociações de prorrogação de jornada em ambiente insalubre e o próprio enquadramento da insalubridade, com base nas leis e normas administrativas existentes. Nesses casos, o negociado não prevalece sobre o legislado. De resto, tudo o que era apontado, como a restrição ao acesso à Justiça do Trabalho, o trabalho intermitente, as várias hipóteses do negociado prevalecer sobre o legislado, continua e já vem revelando seus malefícios.
Como isso afeta o trabalhador?
Já sentimos na dificuldade criada para o acesso à Justiça. Com a reforma, mesmo que o juiz declare a condição de pobreza do trabalhador, ele ainda assim terá que arcar com as despesas das perícias que forem necessárias no processo e também com os honorários do advogado da empresa se, por acaso, perder em alguma das suas pretensões. É uma recusa do acesso à Justiça por meio de obstáculos econômicos que, portanto, fazem com que trabalhadores, embora convictos dos seus direitos, evitem ir à Justiça com medo das consequências. Nós teremos uma queda do número de ações baseada em temor, e aí estaremos retrocedendo um debate já consolidado, de superar as barreiras econômicas, de Justiça gratuita.
Como os sindicatos e a organização dos trabalhadores são atingidos?
A lei enfraquece os sindicatos através da possibilidade de terceirização da atividade-fim, de constitucionalidade duvidosa, mas que de todo modo agora está na lei. Uma vez possibilitada, teremos nos próximos anos uma segmentação absurda das categorias mais fortes. Veremos cada vez menos bancários, por exemplo, e mais trabalhadores em empresas de prestação de serviços como mão de obra em bancos. Grandes categorias podem ser enfraquecidas, e a categoria mais amorfa é inflada. Isso pode resultar em mais perdas de direitos. Na medida em que há prevalência do negociado sobre o legislado e se enfraquecem os sindicatos, o outro polo dessa relação é fortalecido. Empresas e organizações patronais poderão se valer da própria negociação coletiva perante entidades sindicais mais frágeis para redução de direitos e retrocessos em garantias históricas.
Como a Justiça do Trabalho é atingida?
Com o acesso dificultado, há uma rápida queda de ações, e a Justiça do Trabalho pode ser impedida de cumprir sua função, de pacificação social aos conflitos entre capital e trabalho. Essa é sua função, assegurar o reconhecimento e fruição de direitos sociais e de outros direitos fundamentais, que de algum modo estejam ameaçados ou mesmo lesados dentro das relações de trabalho. Juízes do trabalho lidam com direitos humanos. O Direito do Trabalho nasce com a primeira lei trabalhista exatamente para proteger a integridade física do trabalhador num contexto em que a assimetria econômica entre a empresa e o empregado fazia com que os trabalhadores se submetessem às mais terríveis condições. O que houve, na verdade, foi um esforço de mediocrizar a Justiça do Trabalho.
O que esses ataques significam à democracia?
O Poder Judiciário é um pilar fundamental da democracia e sofre um abalo com o enfraquecimento da Justiça do Trabalho, a partir da própria legislação ou por extensas exposições críticas feitas por alguns segmentos da mídia. A salvaguarda de direitos fundamentais também é um pilar da democracia, os chamados direitos fundamentais sociais, presentes na Constituição. Embora não diretamente afetados, terminam sendo indiretamente comprometidos por diversas novidades introduzidas pela reforma. Esse segundo pilar termina também comprometido, de forma que os frutos dessa lei podem ser exatamente a erosão desses direitos e da sua efetividade.
Como a Anamatra pretende atuar nesse contexto?
Atuamos subsidiando o Parlamento com uma série de notas técnicas, participando de audiências públicas, durante a tramitação da reforma, alertando às inconstitucionalidades. A Anamatra está fazendo o devido trabalho de esclarecimento e de enfrentamento. Também realizamos a segunda Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, que resultou nos 125 enunciados aprovados de interpretações possíveis para a lei. No campo judicial, a associação ingressou no Supremo Tribunal Federal duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma delas questionando a absurda tarifação das indenizações por dano moral e outra o deposito recursal, que historicamente tem sido uma importante garantia do trabalhador no processo.
Fonte: FNE