Sem conseguir sequer votar na Câmara dos Deputados a Medida Provisória (MP) 800, um socorro às concessionárias que arremataram trechos de rodovias federais nos leilões realizados na administração da ex-presidente Dilma Rousseff, o governo avalia agora enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei com o mesmo teor da proposta. O objetivo é permitir que os investimentos em duplicação das rodovias, previstos originalmente para o prazo de cinco anos, sejam alongados para até 14 anos. O governo argumenta que, sem as mudanças nos contratos, as rodovias serão devolvidas ou terão as concessões cassadas.
Com forte resistência de deputados contrários à medida, inclusive na base aliada, a Câmara não votou a proposta na semana passada e o texto da MP perdeu a validade ontem. Além disso, a inclusão de um “jabuti” (elemento estranho ao projeto original), irritou alguns parlamentares, que se recusaram a analisar a MP. O artigo inserido no texto a ser votado pretendia prorrogar contratos de portos secos.
Os benefícios dados às concessionárias, que mantém as cobranças dos pedágios mesmo sem a entrega das obras, incomodou os deputados. Um dos pontos mais criticados foi o fato de o governo federal só determinar a redução nas tarifas após o fim da duplicação das estradas. Agora, o Palácio do Planalto avalia aplicar, neste caso, um expediente que tem usado em temas polêmicos: enviar um projeto de lei no lugar de editar uma medida provisória (que tem validade, com prazo para ser votada).
Por enquanto, a intenção é encaminhar um projeto praticamente idêntico à MP, mas com uma novidade. O Ministério dos Transportes estuda inserir uma punição às concessionárias que, mesmo socorridas, voltem a atrasar as obras, como caducidade ou declaração de inidoneidade (proibição para contratar com órgãos públicos). É uma tentativa de driblar a resistências dos parlamentares.
Com mais tempo para análise e com mais espaço para alterações, a avaliação hoje é que as chances de aprovação seriam maiores. Essa saída pode, por outro lado, colocar em risco a renegociação dos contratos. A votação, que já sofre resistência política, ocorreria ainda mais perto do período eleitoral e em meio a outras pautas econômicas.
Os ministros Carlos Marun (Secretaria de Governo) e Maurício Quintella (Transportes) chegaram a participar de reuniões, na semana passada, com os partidos da base aliada na tentativa de destravar a votação, mas não houve acordo. Mesmo que fosse aprovada ontem na Câmara, ainda precisaria ter passado pelo Senado no mesmo dia.
O governo Dilma editou a MP 800 com o argumento de que o novo cronograma assegura a manutenção da concessão e dos investimentos, que estão paralisados. O objetivo foi evitar que as concessões de rodovias fossem devolvidas ou cassadas, por causa do descumprimento dos prazos de investimentos. A justificativa para o socorro às rodovias foi a de que os processos para revogar ou devolver concessões são demorados, o que prejudicaria a manutenção e os novos investimentos nas estradas.
CONCESSÕES PODEM SER DEVOLVIDAS
A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), representante das empresas que atuam nas estradas federais e estaduais, calcula que, juntas, as BRs concedidas beneficiadas pela medida têm 5 mil quilômetros de extensão. Sem financiamento do BNDES, em meio à crise econômica que reduziu o fluxo nas estradas e com algumas empresas investigadas na operação Lava-Jato, a maioria das concessionárias não vai conseguir cumprir os prazos originais para concretizar os investimentos previstos nos contratos. Em algumas, nenhuma obra sequer foi executada.
O governo já cassou do Grupo Galvão a concessão de um trecho da BR-153 entre Goiás e Tocantins e a Invepar decidiu devolver o trecho de 936 quilômetros da rodovia BR-040 entre o Distrito Federal e Juiz de Fora (MG). A empresa que optar por ampliar o prazo das obras não poderá devolver a concessão.
Pelo menos três empresas já procuraram a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para pedir mais prazo para duplicar as rodovias. Sem a MP, no entanto, não conseguirão assinar as mudanças nos contratos.
O presidente da ABCR, César Borges, critica a demora da agência em assinar a mudança nos contratos, o que, em tese, poderia ter sido feito durante a vigência da MP. Ele reconhece que haverá “uma série de dificuldades” para aprovar o projeto de lei no Congresso, mas afirma que, sem esse instrumento, a tendência é que as concessões sejam devolvidas.
— Se ficar dessa forma que está hoje, ou as empresas devolverão ou isso terminará sendo judicializado. A empresa não vai ter como executar as obras. Quem sofre é o usuário e quem sofre é o país. A concessão se põe como única solução para melhorar as rodovias brasileiras. Não há recursos públicos sequer para manutenção — disse Borges.
As principais beneficiadas com a medida são as concessionários das rodovias licitadas na terceira rodada de leilões do setor (entre 2013 e 2014): MS Via (BR-163, em Mato Grosso do Sul), Rota do Oeste (BR-163, em Mato Grosso), Concebra (BRs 060, 153 e 262, em Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal) e MGO (BR-050, em Minas Gerais e Goiás).
Fonte: O Globo