O Sociólogo Angelo Soares, pesquisador que estuda o efeito do trabalho na saúde mental e faz pesquisas sobre assédio moral no ambiente profissional desde 1996, mora fora do Brasil há 25 anos e há 15 dá aulas na escola de Ciências da gestão na Univeristé du Québec à Montréal, no Canadá. Confira a entrevista:
Conte algo que não sei.
Durante 20 anos de pesquisa, observei todo tipo de impacto do trabalho na saúde mental, como burnout, estresse, depressão e ansiedade. As pessoas individualizam essas situações. Se o funcionário está doente é porque se divorciou tem problemas na vida pessoal. Eu não acredito nisso.
Por quê?
Nas minhas pesquisas, consigo demonstrar que são variáveis organizacionais, é como o trabalho está organizado que pode adoecer as pessoas. As exigências que temos hoje em dia ultrapassam a razão. Nós não podemos ter uma demanda assim vinda de nós mesmos ou dos outros.
Quais são as características de uma empresa que afetam a saúde do trabalhador?
A sobrecarga de trabalho, a autonomia que a pessoa tem para executar suas tarefas; coesão de grupo, se existe união ou se é uma dinâmica individualista, com competição; se há justiça organizacional, se todos recebem o mesmo tratamento; se há coerência entre os valores pessoais e os da organização. Talvez faltem competências na gestão de recursos humanos, conflitos, lideranças, comunicação.
Como o trabalhador lida com esses problemas?
Para ele é muito difícil, porque não tem autonomia para mudar essa realidade. O primeiro passo é compreender que a culpa não é dele. Se está doente ou sofrendo assédio moral não são os traços individuais que causam isso. Não há uma base de dados científica que comprove que algumas pessoas são mais frágeis do que outras. Há uma banalização muito errada do que é a personalidade. Somos todos vulneráveis. Não é possível que por trás de todos os casos de assédio moral existam pessoas perversas, narcísicas.
No caso do assédio moral, o agressor que falta com empatia em relação ao seu subordinado também é afetado pelo contexto de pressão da hierarquia?
Com certeza. A empatia é uma competência emocional e social muito importante, que deveria estar presente em toda a hierarquia da empresa. A concorrência pode ter absolutamente tudo que eu tenho, menos um recurso: as pessoas que trabalham para mim, que formam a identidade da minha empresa. O ser humano pode ser muito produtivo, mas sendo tratado com cuidado, usando as competências necessárias para que ele seja produtivo.
Uma gestão alternativa é mais lucrativa?
Como alguns têm uma visão muito arcaica de gestão, nem sabem que estão perdendo dinheiro. Se o funcionário não fica doente ele não se ausenta do trabalho. As cotas do seguro de saúde não vão aumentar, mas a qualidade do seu serviço, sim. Geralmente, por conta desse modelo baseado no fim do século XIX e início do XX, muitas vezes a estratégia usada é a que eu chamo de “Trabalhador Kleenex”, a marca de lenço de papel. Você pega um, usa até o máximo e, quando não pode mais usar, joga no lixo.
Quais as consequências dessa lógica?
O problema dessa lógica é que tem um fim, quando você não tem mais uma quantidade necessária de trabalhadores com as competências que você precisa. É ineficaz. Sem pensar a longo prazo: talvez daqui a um ano a sua empresa não exista mais. Fonte: Globo.com