O ONS (Operador Nacional do Sistema) concluiu na sexta-feira (31) a primeira experiência do Brasil com um leilão de resposta da demanda por disponibilidade. Nesse mecanismo, grandes consumidores de energia, como indústrias pesadas, ofertam a redução de suas cargas em determinados horários em troca de remunerações fixas.
De novembro a janeiro, três metalúrgicas (Gerdau, Maringá e Rima) se comprometeram a reduzir seus consumos de eletricidade quatro vezes por mês, das 18h às 22h. É nesse período em que se concentra a maior demanda por eletricidade no país e, como as usinas solares não conseguem gerar energia, o ONS precisa acionar termelétricas movidas a gás natural para atender a carga nacional.
Além de caro, porém, o gás natural é um combustível fóssil e o acionamento dessas usinas contribui para deixar o sistema elétrico brasileiro mais sujo. Essa situação se torna ainda mais crítica em períodos de seca, quando as hidrelétricas têm maior dificuldade para atender o consumo desse horário, conhecido como ponta do sistema.
O mecanismo encerrado na última sexta, aliás, foi organizado durante o período de seca do ano passado, quando o governo federal se preocupava com as consequências da falta de chuvas para o sistema elétrico. No início de outubro, o ONS correu para organizar um leilão em poucos dias para que empresas interessadas em participar do procedimento pudessem lançar suas ofertas.
Na ocasião, a Gerdau ofereceu 60 MW (megawatts) distribuídos em duas plantas, a Rima, 25 MW e a Maringá Ferro-Liga, 8 MW. Em troca, essas empresas receberam cerca de R$ 60 mil por MW, um deságio de 14% em relação ao teto do edital (formulado a partir do preço das térmicas).
Em tese, cada MWh (megawatt-hora) economizado pelas empresas custou ao sistema elétrico entre R$ 1.200 e R$ 1.300, mas a conta final ainda depende de outros cálculos a serem feitos pelo operador. O valor pago, tanto na resposta da demanda quanto na contratação de termelétricas, sai dos encargos embutidos na conta de energia de todos os consumidores. Assim, a primeira tende a ser financeiramente mais vantajosa para consumidores industriais e residenciais do que a segunda.
O ONS não divulga o número de interessados, mas é improvável que outras empresas tenham participado do certame, visto o baixo montante contratado —o edital previa que cada empresa poderia ofertar até 100 MW. A falta de tempo para divulgar o procedimento teria sido um dos fatores que restringiram o número de participantes, segundo um funcionário do operador.
Ainda assim, as empresas que participaram do procedimento aprovaram a dinâmica durante esses meses. À Folha, a Maringá elogiou a forma como o ONS divulgou as previsões de cortes de energia. O contrato entre as empresas e operador previa quatro cortes por mês, mas não estipulava em quais dias eles aconteceriam. Nesse caso, o operador tinha até as 23h do dia anterior para avisar sobre o despacho.
“Não tinha a data certa definida, mas a gente sabia quantas vezes ia ser despachado dentro do mês e por que período, e isso trouxe tranquilidade”, diz Rogério Trizotti, gerente de manutenção, engenharia e energia da Maringá Ferro-Liga. “Além disso, toda sexta-feira a gente tinha reuniões para que o ONS apontasse as previsões dele para a semana seguinte”, acrescenta.
Em alguns casos, a Maringá realocou o horário de manutenção de seus alto-fornos para o período em que o ONS precisava do corte de carga. Assim, a empresa conseguiu faturar inclusive em momentos em que naturalmente precisaria parar. Mas, como a indústria trabalha com a capacidade máxima durante todo o dia e essa correlação não foi feita em todos os intervalos, a produção da empresa diminuiu ao longo desses meses. É neste ponto que entra o cálculo sobre a vantajosidade da tarifa paga pelo ONS.
Já a Gerdau conseguiu realocar sua produção para demais plantas (o grupo tem 11 no Brasil). A empresa optou por deslocar o desligamento de um dos fornos que funde a sucata reciclada para a produção de aço.
“Normalmente há paradas de manutenção, e o grande desafio é conseguir encaixar essas paradas dentro da programação das usinas, de uma forma que funcione economicamente”, afirma Marcos Prudente, gerente-geral de energia da Gerdau. “É lógico que isso tem um custo e demanda preparação, mas a partir dessa experiência e no momento em que o Brasil começa a avançar para esse caminho, a gente sempre avalia a participação nesse tipo de programa.”
A Gerdau já participou de outras parcerias com o ONS, ainda que em um modelo com regras menos fixas do que o encerrado em janeiro. A siderúrgica também participa de projetos semelhantes no Canadá e nos Estados Unidos —o último é o país mais avançado nesse mecanismo e tem até consumidores residenciais em seu programa.
“No caso de demanda no varejo, o consumidor oferece para a empresa americana de energia a possibilidade de controlar o ar-condicionado dele. Então, se houver um problema na rede, a empresa de energia manda um sinal e imediatamente o compressor é cortado por três ou quatro minutos”, explica Luiz Maurer, consultor nas áreas de energia e estratégia.
“No apagão de agosto de 2023, por exemplo, houve uma variação de tensão por alguns segundos, mas, se algumas grandes cargas já tivessem combinado com o ONS a possibilidade de desligar equipamentos, pode ser que aquele problema não tivesse um efeito cascata como teve”, acrescenta.
O maior desafio para o ONS, porém, é garantir que, quando necessário, as empresas contratadas realmente reduzirão suas cargas. No leilão de outubro, segundo uma pessoa do ONS, o operador queria que as empresas que não respeitassem o contrato indenizassem o sistema. Mas, após resistência das indústrias, a penalidade foi alterada para 10% da receita.
Agora, a estratégia do ONS é criar laços de confiabilidade com as indústrias interessadas. Até por isso, o operador deve organizar mais dois leilões até o final de 2026, sendo que dessa vez o período a ser contratado pode ser mais longo.
Ainda assim, é improvável que a resposta da demanda consiga substituir grande parte das termelétricas em breve, seja devido ao lobby desse setor no Congresso (que aprovou a obrigatoriedade de contratação) ou porque o crescimento desse mecanismo é limitado à intenção das empresas em realocar suas produções. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estima que até 2034, as indústrias brasileiras oferecerão 2 GW (gigawatts) de sua carga. Já as térmicas, 35 GW.
Fonte: Folha de São Paulo