O Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em relatório publicado em março último, alertou para a probabilidade de que o aumento da temperatura mundial ultrapasse 2°C se medidas de mitigação não forem priorizadas como políticas públicas globais. As mudanças climáticas são, talvez, o melhor exemplo de consenso científico bem reportado que temos. Graças ao IPCC, evidências científicas estão disponíveis, em linguagem acessível para gestores públicos, imprensa e público. Ainda assim, não é difícil esbarrar em propaganda negacionista que utiliza fotos de nevascas para questionar se o mundo está realmente esquentando.
Comunicar ciência que afeta o cotidiano e decisões tanto do cidadão como do gestor público é um desafio, principalmente quando não é tão simples demonstrar a conexão entre causa – mudança climática global – e consequência no dia-a-dia. Mesmo incêndios, enchentes e mudanças na agricultura passam como tragédias inevitáveis, azar, vontade de Deus.
Seguradoras trabalham “comprando” risco: o segurado paga para que o risco (por exemplo, de ter de reconstruir uma casa destruída pelo fogo) passe a ser da empresa e não mais dele. Compensa, portanto, vender apólices quando a probabilidade de o risco se concretizar é baixa. Quando essa probabilidade aumenta as empresas podem perder dinheiro se não cobrarem muito caro: no limite, se a chance de uma casa pegar fogo é 100%, a apólice precisa custar o mesmo que uma casa nova. A State Farm justificou sua decisão de parar de vender apólices na California devido à “crescente exposição a catástrofes”.
Empresas que vendem seguros não são ideológicas, baseiam-se em estatísticas e cálculos de risco. Por exemplo, por mais que o machismo diga que mulheres dirigem mal, as seguradoras sabem que o risco de um homem causar acidente é maior, e por isso mulheres têm acesso a coberturas melhores e mais baratas. As seguradoras avaliaram o risco de incêndios e enchentes, e concluíram que cresceu a ponto de justificar o abandono de mercados enormes (a Califórnia é o Estado mais populoso dos EUA).
Outra constatação é que a percepção de risco geralmente só acontece quando o dano se concretiza. Quem sabe agora que o risco do aquecimento global bateu à porta, causando problemas reais e tangíveis, poderemos observar mudanças de atitude mais enfáticas, tanto do cidadão comum como dos gestores públicos? A transformação do clima não afeta somente o mercado imobiliário. Doenças transmitidas por mosquitos que preferem climas quentes já estão se espalhando pelo mundo, deixando de ser exclusivas de áreas tropicais. A agricultura também está sendo forçada a se adaptar.
Aquele perigo “abstrato”, que muitos imaginavam ser problema só para nossos bisnetos, já chegou trazendo a conta.
Fonte: O Globo