Desde o dia 6 de julho, Brasília tornou-se a primeira capital brasileira conectada à internet de quinta geração, a 5G. Cerca de 80% da cidade já tem acesso à conexão de alta velocidade. As próximas capitais a receberem o sinal serão: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e João Pessoa, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Foram instalados cem pontos de acesso na região do Plano Piloto, onde ficam a Esplanada dos Ministérios e as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A 5G já deveria estar funcionando em todas as capitais a partir do dia 31 de julho. No entanto, a pedido das empresas de telecomunicações que venceram o leilão da Anatel, o prazo foi ampliado para 29 de setembro. Segundo um estudo do próprio Ministério das Comunicações, a cada mês sem 5G instalada o Brasil perde cerca de R$ 2,8 bilhões em negócios.
“Nós cantamos a bola de que esse prazo não seria cumprido, porque a gente não tem fibra óptica suficiente no Brasil para ampliar o acesso tão rápido”, explica a pesquisadora da Coalizão de Direitos na Rede, Flávia Lefèvre.
Além disso, muitos municípios não alteraram sua legislação sobre disposição de antenas para permitir a construção de estrutruras necessárias para a nova tecnologia.
Acesso desigual
Em novembro do ano passado foi realizado o leilão da 5G no Brasil. O Estado brasileiro licitou a concessão de quatro frequências (700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz), no valor de R$ 46,7 bilhões, a 11 empresas com cobertura nacional e estadual, por um prazo de 20 anos. O governo previa arrecadar inicialmente R$ 50 bilhões neste que seria “o maior leilão da história da Anatel”.
Desse total, R$ 7,4 bilhões serão em outorgas para o governo e o restante será utilizado pelas empresas para cumprir com as contrapartidas definidas em edital, que estão voltadas principalmente a garantir estrutura de internet 4G e conexão para as escolas públicas.
Para municípios com mais de 500 mil habitantes, o prazo limite é julho de 2025; para aqueles com população acima de 200 mil, julho de 2026; e para os com mais de 100 mil, julho de 2027.
O cronograma prevê também que 60% dos municípios com menos de 30 mil habitantes estejam atendidos até dezembro de 2027. Essa meta sobe para 90% até dezembro de 2028 e 100% até dezembro de 2029.
“Os municípios que irão receber essa estrutura somente em 2029 já estarão defasados em anos em relação às capitais. Então já vemos uma institucionalização do aumento das desigualdades econômicas”, comenta Paloma Rocillo, do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS).
O Plano Geral de Metas de Universalização, publicado em janeiro de 2021, determina que até 2024 as empresas de telefonia devem oferecer uma velocidade mínima de conexão de 10 Gb a todos os municípios do país. No entanto, o edital do leilão sequer atende as metas definidas pelo decreto executivo, permitindo que municípios com menos de 20 mil habitantes tenham conexão de até 1 Gb.
Internet 5G para todos?
De acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (Cetic-BR), 152 milhões de brasileiros e brasileiras acessam internet, equivalente a 81% da população. Nas áreas rurais, o alcance diminui para 70% dos habitantes.
O tipo de conexão também é diferente: 71% dos entrevistados no censo de 2020 do Cetic-BR, acessam apenas internet banda larga, enquanto 61% possuem fibra óptica – ideal para conexão 5G.
Além disso, para operar o 5G se faz necessária a compra de telefones celulares tecnologicamente compatíveis com esta tecnologia, que custam em torno de R$ 3 mil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (PNAD) de 2021, o rendimento médio mensal domiciliar per capita foi de R$ 1.353, o menor desde 2012.
Em novembro, cerca de 85% do que foi disponibilizado foi vendido e os lotes restantes serão oferecidos em novo leilão. Claro, Vivo e TIM arremataram as principais frequências, num valor de R$ 1,1 bilhão.
“As regras do leilão beneficiaram os grandes conglomerados que já concentram o mercado de telefonia móvel e acesso móvel à internet”, afirma Flávia Lefèvre.
Segundo os termos determinados pela Anatel, apenas 60 municípios brasileiros possuem “atividade econômica atrativa” para implementação do 5G. Cidades como Guarulhos, Uberlândia, Niterói, Juazeiro e Petrolina ficariam de fora da lista.
“Pela primeira vez teremos a garantia e a certeza que todos os valores arrecadados nesse leilão iremos converter em benfeitorias para a população”, disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, durante coletiva à imprensa para apresentar os resultados do leilão.
Enquanto nas classes A,B e C mais de 89% dos brasileiros são usuários de internet, nas classes D e E o índice cai para 61%. Cerca de 31% dos entrevistados pelo Cetic-BR dizem não ter acesso à internet por conta do preço e outros 20% por não saber conectar-se.
Concentração em poucas empresas
A internet 5G utiliza ondas milimétricas de alta frequência, por isso exige mais receptores e repetidores de sinal para transpor obstáculos fixos, como torres e edifícios. Ela é cem vezes mais rápida que a 4G, com capacidade de descarga de 1 gigabyte por segundo, e latência [tempo de resposta] de 1 milésimo de segundo – mais rápido que um piscar de olhos.
“O 5G é essencial para atividades críticas, como a telemedicina. Se a gente pensar num serviço de alta qualidade para usuário comum, o 4G já dá conta, o problema é que sequer temos uma conexão 4G capilarizada”, critica Paloma Rocillo.
Quatro frequências foram ofertadas em lotes nacionais e regionais, elas funcionam como “rodovias” no ar para transmissão de dados por radiodifusão.
A faixa de 700 MHz é voltada para ampliar a conexão 4G nas rodovias – a tecnologia do 5G permite também o tráfego pela geração antiga de internet. A maior proprietária desta faixa é a empresa Winity II Telecom, que a arrematou por R$ 1,4 bilhão. A empresa foi criada no ano passado pela gestora de ativos Pátria Investimentos e pretende atuar no atacado, terceirizando conexão a outras operadoras.
A frequência 2,3 GHz servirá para levar internet 4G aos locais que não possuem o serviço e foi outorgada para Claro (região Norte, Sul, Centro-Oeste, e SP), Vivo (RJ, MG e ES) e Brisanet (Nordeste). A TIM e a Algar também atenderão algumas zonas no Sul e Centro-Oeste do país.
Já a faixa de 3,5 GHz, mais utilizada no mundo para a internet 5G, foi outorgada majoritariamente para Claro, Vivo e TIM, com alguma presença das empresas Algar, Sercomtel, Brisanet e Cloud2U no Sudeste e Centro-Oeste. Para se ter uma ideia, somente a licitação desta frequência nos Estados Unidos resultou em 228 empresas vencedoras, no valor de R$ 121 bilhões.
No caso do Brasil, essa foi a faixa vendida com o ágil (unidade de serviço) mais barato: 12% do valor originalmente estabelecido pela Anatel.
A faixa de 26 GHz, que deve fornecer conectividade às escolas, também foi majoritariamente comprada pelas três maiores empresas do ramo, com alguma presença da Algar nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.
“De acordo com a União Internacional de Telecomunicações, para que o serviço móvel tenha um nível mínimo de qualidade, devem ter 1,5 mil usuários por antena. Em São Paulo, a média é de 3,5 mil por antena. Só que na periferia, como Cidade Tiradentes, você tem 18 mil usuários por antena”, pontua Lefèvre.
A pesquisadora defende que as contrapartidas negociadas pela Anatel são insuficientes para levar conexão a mais de 100 milhões de pessoas que possuem apenas pacote de dados limitados, contratados pelas empresas de telefonias. Já Paloma Rocillo do IRIS destaca que o edital da Anatel não prevê a transferência de tecnologia das empresas para o Estado. “Decidiram não priorizar a soberania tecnológica nacional”, comenta.
Interesses obtusos
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, afirmou que a Anatel tardou 40 meses em entregar as informações requeridas pelo tribunal para analisar os trâmites do leilão. Cedraz também denunciou que o Brasil estaria entregando a telecomunicação das próximas duas décadas para empresas que oferecem serviços muito “aquém dos padrões mundiais”. O ministro foi o único a votar contra o edital da Anatel.
Um relatório elaborado pela Secretaria de Infraestrutura e Comunicações (SeinfraCom), vinculada ao Tribunal de Contas, aponta que o Estado deixou de arrecadar cerca de R$ 60 bilhões com o certame de novembro.
“A implementação da 5G é de grande interesse da bancada ruralista, porque uma das grandes potencialidades do 5G são os avanços para o agronegócio. Ela poderia ser utilizada para o monitoramento de gado e para aceleração de processos”, comenta Paloma Rocillo.
Um caso de interesses cruzados é o de Vitor Menezes. Ele foi secretário executivo de Telecomunicações e em seguida assumiu um cargo de confiança no ministério de Comunicação, sob gestão de Fábio Faria, político do filiado ao PP, mesmo partido o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Neste ano, Menezes abandonou o cargo para ir para o outro lado do balcão, dirigir as relações institucionais da Ligga Telecom, que venceu concessões de frequências na região Sul do país.
“Essa porta giratória é algo antigo. Infelizmente os limites para isso no Brasil não contêm essa relação espúria entre agentes públicos e as empresas. Não é à toa que as agências e alguns departamentos de ministérios têm sido capturados”, comenta Lefèvre.
No ano passado, as entidades que compõem a Colizão por Direitos na Rede protocolaram uma representação no Ministério Público Federal denunciando as irregularidades no processo de licitação.
“A gente vê pelas lives do Bolsonaro como a questão tecnológica é importante para o governo, seja porque boa parte da sua mobilização política se dá na internet, seja para mostrar o avanço tecnológico do 5G como uma conquista do governo em busca de votos”, comenta Rocillo.
Relações internacionais
As companhias mais avançanças na tecnologia 5G no mundo são Nokia, Ericsson, Samsung, Huaweii e ZTE. Por pressão dos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro chegou a ameaçar impedir que as empresas chinesas disputassem o certame, que estava previsto para acontecer em março de 2020. No entanto, Bolsonaro acabou voltando atrás na medida, que implicaria em prejuízos para o país. Cerca de 40% da rede de internet instalada no Brasil utiliza componentes da Huawei.
“Se fosse somente para evitar a reposição de equipamentos já seria muito razoável que o Brasil mantivesse boas relações com a China. Mas eventualmente deveria ampliar, já que eles estão à frente dos EUA na tecnologia 5G”, defende Flávia Lefèvre.
Na semana passada, a embaixada chinesa no Brasil sinalizou a intenção de aumentar a cooperação tecnológica e a importação de produtos brasileiros com maior valor agregado. A China continua sendo o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2021, o comércio entre os dois países cresceu 44% e representou US$ 125 bilhões (R$ 656 bilhões).
“Gostaríamos de incluir mais produtos de valor agregado, além dos produtos agrícolas convencionais e o ferro. Gostaríamos de ampliar para a área de alta tecnologia, considerando que temos um projeto excelente de cooperação no desenvolvimento de satélites”, disse o encarregado de negócios da China, Jin Hongjun, durante coletiva de imprensa na terça-feira (28).
Em todo o planeta, 65 países já utilizam internet de quinta geração. A China lidera o ranking, com 376 cidades conectadas e a maior zona 5G do mundo, na cidade de Shenzen, com 10 milhões de habitantes. Logo atrás estão os Estados Unidos, com 284 cidades conectadas à 5G, a Finlândia, com 95, e a Coreia do Sul, com 85 cidades, de acordo a um levantamento de junho de 2021 da empresa Viavi Solutions.
Fonte: FNE