Os painéis do XI Congresso Nacional dos Engenheiros (Conse) se encerraram na tarde desta quinta-feira (23/9) com chave de ouro, revelando debate extremamente qualificado. Proferido pelo professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e coordenador do grupo Meios Eletrônicos Interativos do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da instituição, Marcelo Znorich Zuffo, o tema abordado foi “5G e tecnologias exponenciais: riscos e oportunidades no Brasil”.
Sob mediação do coordenador do Conselho Tecnológico do SEESP e também professor da Poli-USP, José Roberto Cardoso, a atividade contou ainda com o presidente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), Murilo Pinheiro, o diretor Fernando Palmezan Neto e a coordenadora do Núcleo Jovem Engenheiro, Marcellie Dessimoni, além da presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Ceará (Senge-CE), Teodora Ximenes. A transmissão se deu pelo canal do Youtube da FNE.
O Conse é a principal instância decisória da federação. Em sua 11ª edição, teve início no dia 22 e segue até esta sexta-feira (24/9), quando ocorrerá plenária de delegados do congresso e será divulgado o resultado da eleição para a nova diretoria da entidade (gestão 2022-2025), cuja votação está em andamento.
Marcelo Zuffo destacou ao início do painel que “o 5G traz guinada sobre como entendíamos as comunicações”. Apresentando histórico da evolução da infraestrutura de telecomunicações móveis, ele informou que a transição geracional ocorre a cada década desde os anos 1980, quando surge o 2G. “Do 3G para o 4G, foi uma revolução. Inaugurou-se o conceito de tráfego de dados pela internet e, com isso, houve a chegada dos smartphones.” A microeletrônica, como ensinou, é fundamental nesse processo. Atualmente, segundo sua fala, há 10 bilhões de celulares no mundo, cuja população humana aproximada é de 7,6 bilhões. Algo como 4 milhões não devem ter tais aparelhos móveis.
Por volta de 2015-2016, como detalhou Zuffo, surgiu a Internet das Coisas (IoT). “São novos padrões. Hoje já há quase 80 bilhões de dispositivos conectados, de geladeiras a carros. São cinco a dez coisas por ser humano, e esse número cresce exponencialmente. Imagine trilhões de dispositivos conectados, plantas, videogames, hospitais, cachorros”, enfatizou. Integram-se contêineres, trens, surge a Indústria 4.0 e geram-se maior competitividade e oportunidades de negócios.
Para o professor, tudo isso exigirá o fatiamento de redes e regulação, inclusive para garantir segurança ao funcionamento. “Se houver ação de hackers, pode parar o Incor [Instituto do Coração em São Paulo], a Usina de Angra dos Reis [no Rio de Janeiro], a Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo]. Com 5G, telecomunicações serão uma infraestrutura crítica, como hoje é energia”, frisou.
Desafios e protagonismo da engenharia
Zuffo continuou: “Isso vem de uma evolução da indústria de semicondutores que, por razões estruturais, não temos no País. Estamos nos sabotando. Se o Brasil não vier a ter, estaremos matando nosso futuro. Hoje são 50 mil trabalhadores de braços cruzados porque não há chips para fabricar carros aqui.”
Ele alertou para outros desafios: forte desindustrialização, concentração de poucas operadoras a partir da privatizações no setor de telecomunicações nos anos 1990, alta incidência tributária e, como consequência, fuga de cérebros muito elevada em meio a uma “guerra fria comercial-tecnológica entre Estados Unidos e China”, além de necessidade de grande investimento em infraestrutura e de se pensar um modelo inclusivo.
A “comunidade da engenharia brasileira”, na sua concepção, tem papel preponderante à superação desses desafios, uma vez que “a tecnologia exponencial 5G é portadora do futuro e do bem-estar social”.
Diante desse cenário, lançou a ideia ao Conse: que saia da FNE e seus 18 sindicatos filiados a proposta de um “ONS de Telecomunicações” – analogia com o Operador Nacional do Sistema Elétrico. “É algo técnico, para que este seja o guardião do nosso sistema, com salas de operação de comando e controle” em cuja equipe haja, além de especialistas, agentes de segurança.
Projetos em andamento
Ele lembrou que 5G envolve sobretudo softwares e que na Poli-USP os engenheiros têm atuado com plataformas abertas. “Estamos fazendo um projeto piloto para o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] na área de cidades inteligentes e mobilidade urbana.”
Além disso, em 2017 foi inaugurada uma “central manufatureira de IoT” na instituição (referência ao Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas – Citi). “Começamos a fabricar coisas aqui, um excelente jeito de dominar a tecnologia, subsidiar empresas e startups e aprender muito. Dentro disso, ainda, integramos o Programa Caninos Loucos, com o apoio do Jon Maddog, que desenvolveu o Linux, para criar hardwares e softwares abertos para 5G e IoT. Já fabricamos 3 mil placas e acabamos de ganhar um edital para mais mil. Estamos projetando e produzindo chips”, ressaltou.
Entre os projetos, Internet of Turtles, para o projeto Tamar, ao monitoramento de tartarugas para a preservação, além do ventilador pulmonar Inspire, que tem ajudado a salvar vidas em meio à pandemia. Será encerrado com mil unidades em 250 municípios de 14 estados brasileiros. “É um projeto made in Poli, o que tem mostrado o papel da tecnologia brasileira.”
Para Zuffo, sem dispor de grandes corporações high tech, a grande saída para o Brasil passa por open source (código aberto). E o modelo que propõe é da denominada “hélice tríplice” – parceria universidade-governo-indústrias para alavancar essa evolução.
Ao encontro de proposta apresentada pelo projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da FNE que propugna por desenvolvimento nacional sustentável com inclusão social. Palmezan, que é seu coordenador geral, foi categórico: “Essa discussão torna visível a necessidade de um projeto de nação. Nesse aspecto, nós, engenheiros, temos papel muito importante. Temos capacidade e treinamento para planejar.” Murilo complementou: “O país que quer se desenvolver precisa ter engenheiros.”
Cardoso saudou o alto nível da explanação e debate lembrando que foi aluno do professor João Zuffo, pai de Marcelo, o qual desenvolveu há 50 anos o primeiro circuito integrado brasileiro e da América Latina. “Essa continuidade é muito marcada pela construção do Citi”, concluiu.
Confira o painel “5G e tecnologias exponenciais: riscos e oportunidades no Brasil” na íntegra: