Estrategicamente, todos os reservatórios de água ocupam um papel preponderante por sua significância, porém, dispor de área para tal não é uma realidade para todos os países.
A ideia de ocupar áreas de reservatórios para outras ações, com igual relevância, tal qual a geração de energia por sistemas flutuantes, abre outras características muito interessantes no cenário das energias renováveis.
Ter o privilégio dos reservatórios de água, imprescindível à sobrevivência, associá-los com a geração de energia por fonte primária do sol e auxiliar a promover menores índices de evaporação do lago é um cenário extraordinário à vida em sociedade. A Corporação de Águas da República da Coréia identificou em seus estudos que as plantas solares flutuantes, desenvolvidas em reservatórios, apresentaram eficiência superior na ordem de 11%, se equiparadas ao desempenho de plantas similares dispostas em solo. Esta característica se dá pela redução de temperatura, em específico na face inferior dos módulos solares fotovoltaicos, que potencializam as trocas de calor por estarem próximos da lâmina de água.
Estudos desenvolvidos pela Associação de Serviços de Água da Austrália indicaram um acréscimo ainda mais significativo de desempenho de geração de instalações fotovoltaicas flutuantes. Os estudos desenvolvidos identificaram uma melhora de desempenho na ordem de 40% superiores a de instalações similares em terra, além de uma notável redução na evaporação de água. Isso inclui aos reservatórios de pequeno porte, que armazenam água para a produção agrícola.
Neste triste período de crise energética e hídrica, talvez ainda seja tempo do Brasil abandonar a sua aversão à inovação tecnológica e passar a compor tais alternativas em seus reservatórios, tanto para os reservatórios que abastecem a população, quanto para os lagos de usinas hidroelétricas, em especial para as Usinas Hidroelétricas da Eletrobras.
Desenvolvimento Tecnológico e Estratégias
Concomitantemente à pressa do atual governo em privatizar a Eletrobras, se havia dificuldades e provável desinteresse em valorar a importância dos reservatórios das usinas hidroelétricas, com as possibilidades dispostas neste documento, simplesmente lamenta-se os destinos estratégicos de nossos reservatórios, que intrinsecamente compõem um valor inestimável no setor energético, sendo agora ainda mais relevante.
A estratégia pela expansão das usinas hidrelétricas se deve também à preocupação, a nível global, com as emissões de gases de efeito estufa, que contribuem negativamente para a piora do clima do planeta. Neste sentido, a hidroeletricidade desempenha um papel duplamente importante para a redução das emissões no setor elétrico. Por ser uma fonte renovável, compondo emissões bastante inferiores, se comparadas com as usinas termoelétricas, com fonte primária fóssil, sua flexibilidade operativa e capacidade de armazenamento permitem a maior penetração de fontes renováveis intermitentes e sazonais, tais como a geração de energia eólica e a energia solar fotovoltaica.
A partir dos avanços da energia eólica e da energia solar fotovoltaica, muitas concepções de usinas híbridas adentram ás possibilidades do setor energético, sobretudo a utilização dos reservatórios para a instalação de usinas solares flutuantes. Neste sentido, está disposta a ilustração nº 1, que compete às diferenciações geográficas de concentração de usinas hidroelétricas dos anos 1950 e 2000 e que concomitantemente estão próximas dos grandes centros de demanda energética.
Ilustração nº 1 – Diferenciais de concentração das usinas hidroelétricas
Fonte: Atlas de energia hidráulica. Aneel, 2005.
Concomitantemente à concentração dos lagos, áreas disponíveis para dispor os sistemas flutuantes, ainda há de se contar com os fatores tecnológicos, dos quais propiciarão ainda mais energia por área flutuante. Se comercialmente no Brasil os módulos apresentam desempenho na ordem de 23%, como pode ser observado na ilustração nº 2, módulos com desempenho na ordem de 47% prometem revolucionar o mercado, porém para o momento estão submetidos aos laboratórios em pesquisa e desenvolvimento.
Ilustração nº 2 – Evolução do desempenho de módulos fotovoltaicos
Toda esta evolução se dá pela adoção de metodologia de dopagem do silício, unindo os processos que sensibilizam o silício para determinado intervalo de comprimento de onda, fazendo com que o espectro de luz tenha maior aproveitamento ao sensibilizar as células solares. A ilustração nº 3 exprime as tecnologias associadas e a ampliação do espectro da luz solar que sensibiliza os módulos solares.
Ilustração nº 3 – Acréscimo de sensibilização da tecnologia multijunção
Partindo-se do princípio de que os módulos flutuantes são instalados em reservatórios, portanto com pouca ondulação e pouquíssima correnteza, a estrutura admite formas de ancoragem pouco diferente do mar, cuja ondulação e correnteza são mais significativas. A ilustração nº 4 exemplifica a composição da estrutura solar flutuante no reservatório da usina hidroelétrica.
Ilustração nº 4 – A composição de um sistema solar flutuante
O Tamanho do Reservatório e a Capacidade de Geração Solar Flutuante
Existem represas individuais, dispostas nos continentes, que poderiam teoricamente, acomodar centenas de megawatts ou, em alguns casos, gigawatts de instalações com energia solar flutuante. Há um enorme diferencial energético, proveniente de usinas hidroelétricas e de usinas solares fotovoltaicas. A estrutura solar não fornecem o mesmo tipo de produção de energia, apresenta um fator de capacidade inferior, produz energia de forma variável durante o dia e está sujeita à sazonalidade demarcada pelas estações do ano.
A exemplos de tais reservatórios estão dispostos no Quadro nº1 alguns dos reservatórios dotados de sistemas adicionais flutuantes com energia solar fotovoltaica. O Quadro nº1 compara a superfície de energia estimada de barragens das usinas hidroelétricas selecionadas, e o potencial de energia solar fotovoltaica flutuante correspondente à capacidade hidroelétrica das barragens.
Quadro nº 1 – Aproveitamento solar flutuante em usinas hidroelétricas
A Metodologia para Quantificar a Redução da Evaporação dos reservatórios
No atual cenário brasileiro, toda e qualquer medida que venha a mitigar aos efeitos da evaporação dos reservatórios é benvinda, sobretudo aos lagos das usinas hidroelétricas. Pois bem, este documento apresenta uma metodologia de cálculo, com a qual pode-se quantificar o volume que se evitou seguir pelo processo de evaporação (AHRLET, 2017).
Onde:
Ve – volume de água que deixa de evaporar (m3);
Ea – evaporação anual (m);
A – área ocupada pelos módulos de geração (m2);
r – redução de evaporação devido à cobertura.
A taxa que compete à redução do processo de evaporação aplicada está em consonância aos patamares assumidos por SAHU et al. (2015) cuja vinculação se dá para plantas solares fotovoltaicas flutuantes. Obviamente que a taxa em que se pretende evitar a evaporação do reservatório é proporcional ao tamanho da planta solar fotovoltaica.
Dados Evolutivos a Nível Mundial
A nível mundial, a amplitude do uso dos reservatórios já abre grandes possibilidades de empreendedorismo, com um plus de geração, contenção dos índices de evaporação e promessas de desempenho superior a uma planta instalada em solo. As perspectivas são promissoras, tal qual identificado nos gráficos da Ilustração nº 5.
Ilustração nº 5 – Os países que despontam em plantas solares flutuantes em reservatórios
A caracterização e avanço do potencial global instalado de plantas solares flutuantes pode ser observado na ilustração nº 6.
Ilustração nº 6 – Os avanços do potencial global de plantas solares flutuantes
A expectativa de investimentos e as características de implantação
As expectativas de redução dos custos de implantação já experimenta a sua realidade no cenário mundial. A expressão disso se deu por uma planta solar flutuante na Índia, com capacidade de 70 MW, cujos investimentos foram de 35 INR por watt-pico, patamar competitivo no cenário energético daquele país.
Segundo consta a redução alcançou 45% de redução do custo em pouco mais de um ano na Índia, porém ainda há de se considerar a consolidação das tecnologias e a implantação de outras plantas para uma definição mais consistente. Dentre as características de maior contribuição para a redução dos preços, considera-se a produção em escala dos flutuadores, redução dos custos de materiais e melhorias do processo de fabricação e a redução na espessura dos flutuadores.
Se a redução dos custos de implantação é atrativa, as preocupações se voltam para a qualidade dos projetos e a degradação dos sistemas flutuantes, dado que só o tempo, pesquisas no âmbito da engenharia de materiais e aspectos de degradação poderão informar ao longo da vida útil da planta.
Em geral, o custo das instalações de usinas solares flutuantes, a nível de escala em megawatts, está condicionado aos seguintes quesitos:
- Localização do projeto;
- Profundidade do reservatório no local de implantação;
- Variação do nível da água;
- Condições de velocidade do vento, direção e posição perante ao curso solar;
- Irradiação solar, temperatura ambiente, níveis de umidade, etc.
- Tamanho e capacidade da planta solar flutuante.
As estruturas de plantas solares flutuantes estão começando a ficar populares em diversos países, tal como a China, Japão, Malásia, Vietnã, etc. Muitas dessas plantas se caracterizaram por um inexpressivo potencial instalado, financiadas por bancos locais de fomento nestes países, que estão tomando grandes proporções e, por consequência dos bancos que financiam grandes obras, em especial para os projetos de grande escala.
Assim como as usinas solares fotovoltaicas montadas no solo, o módulo fotovoltaico tem uma participação importante na composição de custos gerais. A principal diferença está no custo da plataforma flutuante e sistema de ancoragem e amarração, representando aproximadamente 38% do custo total. Para revelar esta evolução e composição percentual de valores, a ilustração nº 7 detalha os respectivos percentuais contributivos da planta.
Ilustração nº 7 – Composição percentual de custos dos sistemas solares flutuantes
Características ímpares para a obtenção de créditos de carbono
As plantas solares flutuantes remetem a um forte apelo pela obtenção de créditos de carbono.
Os propósitos da economia dos reservatórios, a sobrevida energética de geração por intermédio de módulos solares fotovoltaicos e a redução de evaporação estão de encontro ao que a sociedade almeja para a atual crise energética e a manutenção dos reservatórios.
O que não dizer, quando as novas tecnologias de módulos solares com maiores desempenhos adentrarem ao mercado?
Pois bem, a ocupação do espelho de água das usinas hidroelétricas brasileiras poderá ser tomada à frente pelos empreendedores que destinarão o futuro, sobretudo dos empreendimentos da Eletrobras. A Ilustração nº 8 demonstra, em síntese, as etapas de submissão de um empreendimento para a aquisição de créditos de carbono, cujo rito poderá ser utilizado em aproveitamento dos reservatórios das usinas hidroelétricas brasileiras.
Ilustração nº 8 – Rito de processo para a aquisição de créditos de carbono
Estratégica para o Brasil
Esta nova oportunidade em aproveitamento dos reservatórios é recente e já se faz estratégica, em especial para o Brasil. A matriz energética brasileira, embora diversificada, ainda conta com a preponderância das usinas hidroelétricas, cenário interessante no contexto. No que diz respeito aos reservatórios de água para consumo urbano, a oportunidade reside em gerar energia muito próximo aos centros consumidores, evitando-se grandes perdas dos sistemas de transmissão e distribuição. Todas estas características, quando reunidas às reduções dos processos de evaporação, contribui para a manutenção dos reservatórios.
Portanto, a submissão de projetos flutuantes de geração fotovoltaicos é totalmente compatível com a obtenção de créditos de carbono, onde as plantas de geração, quando concebidas sob grande escala, poderão acrescer as expectativas do investimento podendo propiciar melhorias nas Taxas Internas de Retorno (TIR).
Engenheiro Eletricista Wladimir Vieira
Diretor do Senge-SC