A poluição do ar mascara o aquecimento global nos grandes centros urbanos e gera o efeito positivo de resfriamento do clima, de acordo com o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, sigla em inglês) publicado na segunda-feira (9).
O cientista Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP e autor do capítulo do estudo dedicado os poluentes de vida curta emitidos em áreas urbanas, como os aerossóis, explicou ao G1 que a abordagem do mascaramento da temperatura e a quantificação disso estão entre as grandes novidades desta edição do relatório.
“Mascaram 0,5°C do aquecimento. Então se as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos levaram a um aumento de 1,1°C na temperatura do planeta e existe esse mascaramento, o aumento é de 1,6°C nos centros urbanos”, explicou Artaxo.
De acordo com o relatório é possível implementar políticas “ganha-ganha”, em que se limitam as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que se melhora a qualidade do ar. No entanto, nem sempre essa relação é equilibrada, pois algumas ações são neutras e outras são de ganha-perde, que melhoram a qualidade do ar, mas causam aquecimento global, ou vice-versa.
“A eletrificação da frota veicular, o fim da queima de carvão, o investimento em energia eólica e solar são ações que diminuem a presença dos aerossóis e isso é bom para a qualidade do ar. Por outro lado, sem eles, a temperatura do planeta aumenta 0,5°C, já que removemos o componente que mascara 1/3 do problema. Ou seja, o estudo mostra que a questão do aquecimento global é um pouco pior do que observamos”, disse Paulo Artaxo.
A maioria das atividades humanas, segundo o estudo, geram tanto alterações climáticas, quando degradação da qualidade do ar, como a produção de energia, a agricultura, o transporte, os processos industriais, o uso de aquecedores e ar-condicionados, ou mesmo acender a uma lareira. Desse modo, o que o relatório mostra é que a qualidade do ar e as mudanças climáticas representam as duas faces da mesma moeda, e devem ser abordadas em conjunto.
O IPCC foi criado em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial com o objetivo de sintetizar e divulgar o conhecimento mais avançado sobre as mudanças climáticas.
Perspectiva: 9 pontos do impacto
Abaixo, veja nove pontos do impacto do aumento da temperatura global na vida na Terra, segundo o relatório do IPCC:
- A temperatura da superfície terrestre subiu mais rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos visto nos últimos 2 mil anos;
- As ondas de calor se tornaram mais frequentes e mais intensas em quase todos os continentes do planeta desde 1950, enquanto frios extremos se tornaram menos frequentes e menos severos;
- Nas últimas 4 décadas, houve um aumento da proporção de ciclones tropicais;
- A influência humana aumentou a chance de eventos extremos desde 1950 e isso inclui a frequência da ocorrência de ondas de calor, secas em escala global, incidência de fogo e inundações.
- Em 2019, a concentração de CO² na atmosfera era maior do que em qualquer outro momento nos últimos 2 milhões de anos e a concentração de metano e óxido nitroso era a maior em 800 mil anos;
- As ondas de calor marítimas ficaram aproximadamente duas vezes mais frequentes desde 1980;
- Entre 2011 e 2020, a área média de gelo no Ártico atingiu seu número mais baixo desde pelo menos 1850 e era, no final do verão, menor do que em qualquer época nos últimos mil anos;
- O recuo das geleiras – com uma redução sincronizada em qualquer todas as geleiras do mundo desde os anos 50 — é sem precedentes pelo menos pelos últimos 2 mil anos;
- O nível médio do mar aumentou mais rápido desde 1900 do que em qualquer século em pelo menos nos últimos 3 mil anos.