A demissão de um funcionário por justa causa pela recusa à vacinação contra a Covid-19 será difícil, na avaliação da presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministra Maria Cristina Peduzzi.
Um guia técnico divulgado nesta terça (9) pelo Ministério Público do Trabalho para orientar a atuação de procuradores considera possível esse tipo de dispensa quando o funcionário se recusar a ser vacinado e não apresentar justificativa para tanto.
“É difícil enquadrar como justa causa a recusa do empregado à vacinação, mas não se deve ignorar que a lei impõe ao empregador manter ambiente de trabalho saudável”, afirmou a ministra à Folha.
Para Peduzzi, as empresas deverão promover campanhas internas com esclarecimento quanto à necessidade de haver a imunização.
O documento divulgado pelo MPT prevê que a demissão sem justa causa seja aplicada como último recurso. O guia para procuradores do trabalho estabelece uma sequência de condutas que as empresas deverão adotar antes de enquadrar como falta grave a recusa do funcionário.
O primeiro passo é a atualização dos programas de Controle Médico e Saúde Ocupacional (conhecido pela sigla de PPMSO) e de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), para que eles incluam a imunização contra o coronavírus.
Os empregadores também deverão, segundo o MPT, manter os funcionários informados sobre o processo de imunização, a importância da proteção individual e coletiva e as consequências jurídicas de uma recusa injustificada. O MP do Trabalho considera, no guia, que a conduta coloca em risco a imunização coletiva.
A presidente do TST disse que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), nos artigos 157 e 158, prevê tanto a obrigação das empresas no cumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho, quanto a de funcionários, constituindo “ato faltoso do empregado a recusa injustificada à observância das instruções expedidas pelo empregador.”
A demissão por justa causa é prevista no artigo 482 da CLT. Ao todo, são 12 as condutas consideradas faltas graves e entre elas estão atos de improbidade, indisciplina ou insubordinação e abandono do emprego.
Nesse tipo de dispensa, o trabalhador perde o direito às verbas da rescisão, como multa e saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e aviso prévio, além do seguro-desemprego.
Para o ministro Alexandre Belmonte, do TST, a decisão de um cidadão não ser vacinado ultrapassa a questão da escolha individual quando nas relações de trabalho.
“A partir do momento que ele ingressa no emprego, ele não se vacinar coloca em risco a vida de outras pessoas, de outros trabalhadores”, disse.
Há ainda, segundo Belmonte, um risco à saúde financeira do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a quem caberá o pagamento de benefício previdenciário caso o funcionário se contamine.
“E ainda coloca em risco o empregador, porque pode vir a caracterizar doença ocupacional. Apesar da liberdade que esse trabalhador poderia ter, em tese, nesse caso, ela cede diante de um interesse maior, que é a preservação da vida de outras pessoas. Esse trabalhador está sendo egoísta, colocando em risco a vida e a saúde financeira de outras pessoas.”
Na semana passada, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) apresentou um projeto de lei para impedir a caracterização de justa causa na dispensa de quem não quiser ser vacinado. A proposta da parlamentar prevê ainda que seja considerada discriminatória a dispensa sem justa causa que tenha como motivação a recusa do empregado à imunização.
Em dezembro do ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que a vacina contra a Covid-19 pode ser obrigatória desde que exista uma lei nesse sentido. A corte deixou claro que a imunização forçada é proibida, mas liberou a União, estados e municípios a aprovarem lei que restrinja direitos das pessoas que não quiserem se vacinar.
Como não existe, até o momento, legislação nesse sentido, o advogado José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, diz entender que a mera recusa à vacinação não gera a justa causa. “Não há autorização legal para esse enquadramento. A empresa só pode cumprir o que existe na regra”, afirmou.
Não há nada, porém, que impeça a dispensa injustificada, uma vez que os empregadores não precisam dar motivos para as demissões no Brasil. Nesse caso, porém, a dispensa será mais cara.
Para Wahle, a situação da vacinação difere do cumprimento de medidas de prevenção à contaminação, como a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual.
Essa está prevista em lei. “Se eu tenho um empregado que não usa a máscara, é advertido, mas continua, ele pode ser demitido por justa causa, pois há uma lei tratando disso”.
E se a vacina não pode ser um critério de demissão por justa causa, poderá ser usada como critério nas contratações, segundo Wahle.
Na avaliação da advogada Cláudia Abdul Ahad Securato, uma vez que a vacina esteja disponível a todos os trabalhadores, a empresa pode exigir que os funcionários comprovem a imunização. Sem justificativa, como alergias ou contraindicação médica, a decisão do trabalhador poderá ser considerada um ato de insubordinação.
Antes, disse a advogada, é necessário que a empresa inclua o combate à pandemia e a vacinação em seus programas de saúde e segurança, como recomenda o MP do Trabalho. Essa medida, segundo ela, protegerá as empresas em discussões judiciais que pedem o enquadramento da Covid-19 como doença do trabalho.
Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho, considerou a discussão precipitada, pois a vacina contra a Covid-19 ainda não está disponível a todos.
Até o momento, estão sendo imunizados os profissionais de saúde e idosos com mais de 75 anos. Ainda não há um cronograma definido para todas as faixas etárias.
Para Calcini, somente depois de a vacina ser oferecida de maneira universal é que será possível debater o assunto.
“Aí sim podemos criar a equiparação entre a vacina e os equipamentos de proteção individual. E como a empresa preza pelo ambiente coletivo de trabalho, a exigência passa a ser obrigatória e, se o empregado assim não concordar em ser vacinado, estar-se-ia diante da justa causa”.
Cássia Pizzotti, do Demarest, diz considerar compreensível a intenção do MP do Trabalho, mas que sem a existência de uma lei que obrigue a vacinação, a medida fica frágil. Na avaliação da advogada, casos de recusa à vacinação terão de ser tratados individualmente.
Fonte: Folha SP